CHAMADO POR DEUS, JESUS É FIEL À SUA VOCAÇÃO
1. Jesus deixou a vocação de Deus entrar dentro de si e
tomar conta de tudo
A experiência de Deus como Pai é a raiz da consciência que Jesus
tinha de si mesmo, da sua missão e do anúncio que fazia do Reino. Jesus chegou a identificar-se em tudo
com a vontade de Deus: “Eu faço sempre o que o Pai me manda fazer” (Jo 12,50).
“O meu alimento é fazer a vontade do Pai” (Jo 4,34). Por isso, Jesus é a
revelação do Pai: “Quem vê a mim vê o Pai!” (Jo 14,9).
Jesus foi fiel ao Pai e aos pobres da sua terra. Ele nasceu
pobre e escolheu ficar do lado dos pobres. Nascer pobre é algo que a pessoa não
escolhe. Escolher ficar do lado dos pobres é opção pessoal, resposta à vocação.
Com a capacidade e a inteligência que tinha, Jesus não teria tido dificuldade
para sair da pobreza. Mas nunca tentou uma saída individual, só para si.
Continuou solidário com os pobres. Conheceu a pobreza pelo lado de dentro.
Esvaziou-se e foi esvaziado (Fil 2,7). Experimentou a fraqueza na hora da
agonia, e o abandono na hora da morte (Mc 15,34). O abandono ao qual eram
condenados os pobres! Morreu soltando o grito dos pobres (Mc 15,37), certo de
ser ouvido pelo Pai que escuta o clamor do pobre (Ex 2,24; 3,7). Por isso, Deus
o exaltou (Fl 2,9)!
A encarnação de Jesus foi um longo processo de aprendizado
e de formação. Começou com o Sim de Maria (Lc 1,38) e terminou com o
último Sim de Jesus na hora da morte. Fazer a
vontade do Pai e cumprir a missão era o eixo da vida de Jesus, o seu alimento
diário (Jo 4,34). "Ao entrar no mundo ele afirmou: “Eis me aqui! Eu vim, ó
Deus, para fazer a tua vontade!" (Hb 10,5.7). Ao deixar o mundo, ele faz
revisão e diz: "Tudo está realizado!" (Jo 19,30). Jesus se deixou
moldar pelo Pai a cada momento da sua vida. Não foi fácil. Jesus lutou para ser
fiel ao Pai, à vocação. "Embora sendo Filho de Deus, aprendeu a obediência
através de seus sofrimentos" (Hb 5,8). Teve que rezar muito para poder
vencer (Hb 5,7; Lc 22,41-46). Mas venceu!
A comunhão entre Jesus e o Pai não era automática, mas sim
fruto de uma luta que Jesus travava dentro de si para obedecer ao Pai em tudo e
estar sempre unido a Ele. Jesus dizia: "Por mim mesmo nada posso fazer: eu
julgo segundo o que ouço" (Jo 5,30). "O Filho por si mesmo nada pode
fazer, mas só aquilo que vê o Pai fazer" (Jo 5,19)". Ele teve
momentos difíceis, em que gritou: “Afasta de mim este cálice!” (Mc 14,36). Teve
que pedir a ajuda dos amigos (Mt 26,38.40). Mas venceu por meio da oração (Lc
22,41-44). Como diz a carta aos Hebreus: “Durante a sua vida na terra, Cristo
fez orações e súplicas a Deus, em alta voz e com lágrimas, ao Deus que podia
salvá-lo da morte. E Deus o escutou, porque ele foi submisso. Embora sendo
Filho de Deus, aprendeu a ser obediente através de seus sofrimentos. E, depois
de perfeito, tornou-se a fonte da salvação eterna para todos aqueles que lhe
obedecem”. (Hb 5,7-9) Jesus
tornou-se para nós revelação e manifestação de Deus.
2. A resposta
à vocação: Jesus revela Deus no jeito de trabalhar com o povo
A obediência de Jesus não é disciplinar, mas profética, reveladora do Pai.
Ela deu a ele olhos novos para perceber a presença do Reino no meio do povo. O
Reino já estava aí, mas ninguém o percebia (Lc 17,20-21). Jesus o percebia e o
revelava (Mt 16,1-3). Ele via o tempo maduro, o campo branco para a colheita
(Jo 4,35).
A Boa Nova do Reino era como um fertilizante que fazia a
semente da vida brotar e crescer. O Reino que estava escondido apareceu em
Jesus e o povo se alegrou. Pelo seu jeito de ser e de ensinar, Jesus despertava
no povo a força adormecida do Reino que o próprio povo não conhecia ou tinha
esquecido. Jesus desobstruiu o acesso à fonte dentro das pessoas, e a água
começou a jorrar de dentro (Jo 4,14). Assim, muitas pessoas, através da fé em
Jesus, despertavam para uma vida nova. Mas em Nazaré, por causa da
incredulidade do povo, Jesus não pôde fazer nenhum milagre! (Mc 6,5-6)
Inspirando-se nos escritos dos discípulos de Isaías, Jesus entendia sua missão
como um serviço: “Não vim para ser servido mas para servir” (Mc 10,45). Para
apresentar seu programa ao povo usou uma frase do Servo de Deus, anunciado por Isaías (Lc
4,17-18; Is 61,1-2). Como os discípulos de Isaías, Jesus não só falava sobre Deus, mas também o
revelava. Comunicava algo do que ele mesmo experimentava e vivia.
O que mais chama a atenção é a bondade com que Jesus
acolhia o povo (Mc 6,34; 8,2; 10,14; Mt 11,28-29). Deus se fazia presente nesta atitude
de ternura acolhedora. Jesus valorizava as pessoas e as estimulava a se firmar
e ter confiança em si. Elogiou o escriba quando este chegou a
entender que o amor a Deus e ao próximo eram o centro da Lei de Deus, e lhe
disse: “Você não está longe do reino!” (Mc 12, 34). Animou a Jairo (Mc 5,36),
confirmou a mulher do fluxo de sangue (Mc 5,34), encorajou o cego Bartimeu (Mc
10,49-52) e o pai do menino epilético (Mc 9,23-24), revelou o valor da ação
aparentemente nula da viúva (Mc 12,41-44).
Sua atitude livre e libertadora contaminava os discípulos e
levava-os a transgredirem normas caducas. Por exemplo, quando estavam com fome,
eles colhiam espigas, mesmo em dia de sábado (Mt 12,1); não lavavam as mãos
antes de comer (Mc 7,5); entravam nas casas dos pecadores e comiam com eles (Mc
2,15-17); não faziam jejum como era costume entre os judeus (Mc 2,18).
Como os discípulos de Isaías, Jesus tinha um jeito próprio
de ensinar. Ele não era do clero, não era da tribo de Levi. Era leigo. Não
tinha estudado na escola dos doutores em Jerusalém. Só uma vez tinha estado com eles, aos
doze anos, por ocasião da romaria (Lc 2,46). Jesus
não absolutizava seu próprio pensamento. Ele sabia escutar o apelo do Pai nas
reações das pessoas. Assim, a reação da mulher Cananéia ajudou-o a descobrir
que devia abrir sua missão para os pagãos (Mt 15,21-28). Jesus não impunha suas
idéias autoritariamente, mas através de parábolas provocava a participação do
povo. O povo percebia a diferença e dizia: “Ele ensina como quem tem autoridade
e não como os escribas e os fariseus” (Mc
1,22.27). Parece até uma ironia! Os escribas, quando ensinavam, repetiam sentenças das autoridades, mas para o
povo não tinham autoridade. Jesus, que nunca citou autoridade alguma, falava
com autoridade! O clero da época só tinha poder,
não tinha autoridade!
3. Irradia sua vocação: reconstrói a comunidade, imagem do
rosto de Deus
O ponto em que Jesus mais insiste é a reconstrução da vida
comunitária. O objetivo do
anúncio do Reino é refazer o tecido das relações humanas, reconstruir a
comunidade, imagem do rosto de Deus (Ml 3,24; Eclo 48,10; Lc 1,17). Todo o
resto, as leis, as normas, as imagens, a doutrina, o catecismo, tudo deve estar
a serviço deste valor central, expressão da igualdade dos dois amores: a Deus e
ao próximo. Este é o sentido do Sermão da Montanha (Mt 5,17-48). Pois, se Deus é pai, somos todos
irmãos e irmãs. A Comunidade deve ser a revelação do rosto acolhedor e amoroso
de Deus, transformado em Boa Nova para o povo, sobretudo para os pobres.
No tempo de Jesus havia vários movimentos que procuravam
uma nova maneira de viver e conviver: essênios, fariseus e, mais tarde, os
zelotes. Muitos deles formavam comunidades de discípulos e tinham seus
missionários (Mt 23,15). Quando estes iam em missão, iam prevenidos. Levavam
sacola e dinheiro para cuidar da sua própria comida, pois não podiam confiar na
comida do povo que nem sempre era ritualmente “pura”. As normas da pureza
dificultavam a acolhida, apartilha,
a comunhão de mesa e a hospitalidade, as quatro colunas
ou pilares da vida comunitária.
Ao contrário dos outros missionários, os discípulos e as
discípulas de Jesus, quando vão em missão, não podem levar nada, nem bolsa, nem
sacola, nem ouro nem prata, nem cobre, nem dinheiro, nem bastão, nem cajado, nem
sandálias, nem sequer duas túnicas (Mt 10,9-10; Mc 6,8; Lc 10,4). A única coisa
que podem levar é a paz (Lc 10,5). O missionário vai sem nada, porque deve
acreditar que vai ser recebido. Sua atitude provoca no povo o gesto evangélico
da hospitalidade (Lc 9,4; 10,5-6). Eles devem ficar
hospedados na primeira casa em que forem acolhidos. Não podem andar de casa em
casa, mas devem conviver de maneira estável e, em troca, recebem sustento,
“pois o operário merece o seu salário” (Lc 10,7). Ou seja, devem integrar-se na
vida e no trabalho da comunidade local, no clã, e confiar na partilha. Não podem
levar sua própria comida, mas devem comer o que o povo lhes oferece (Lc 10,8).
Isto é, devem aceitar a comunhão
de mesa, e não podem ter
medo de perder a pureza no contato com o povo. A convivência fraterna é um
valor evangélico que prevalece sobre a observância das normas rituais. Como
tarefa especial devem praticar a acolhida e cuidar dos excluídos:
doentes, possessos, leprosos (Lc 10,9; Mt 10,8). Isto é, devem exercer a função
do Go´êl : acolher os excluídos para dentro da
comunidade e refazer a vida comunitária do clã.
Caso todas estas exigências forem preenchidas, poderão
gritar aos quatro ventos: “O Reino chegou!” (cf. Lc 10,1-12; 9,1-6; Mc 6,7-13;
Mt 10,6-16). Pois o Reino não é uma doutrina ou uma lista de normas morais, nem
um catecismo ou um direito canônico, mas sim uma nova maneira de viver e
conviver, nascida da Boa Nova que Jesus nos trouxe de que Deus é Pai e todos
somos irmãos e irmãs uns dos outros. Devem recriar e reforçar a comunidade
local, o clã, a “casa”, para que possa ser novamente uma expressão da Aliança,
do Reino, do amor de Deus como Pai que faz de todos irmãos e irmãs.
4. Vocação como fonte de consciência e de resistência
A simpatia do povo por Jesus ia crescendo a ponto de
provocar medo nos líderes (Mc 11,18. 32; 12,12; 14,2). O povo, antes tão
submisso, crescia em consciência, escapava do controle da “grande disciplina” e
criava dentro de si maior consciência e liberdade frente ao poder religioso que
o oprimia. Graças à Boa Nova de Jesus, o povo começava a ser ele mesmo!
Incomodados, os líderes se organizaram para eliminar o perigo e começaram a
perseguir Jesus. Como o Servo de Isaías, Jesus, não voltou atrás, não recuou.
Continuou fiel ao Pai e ao povo marginalizado até à morte e morte de cruz. Eis
o auto-retrato de Jesus:
4 O Senhor me concedeu o dom de falar
como seu discípulo,
para eu saber dizer uma palavra de
conforto a quem está desanimado.
Cada manhã, ele me desperta, para que
eu o escute,
de ouvidos abertos, como o fazem os
discípulos.
5 O Senhor me abriu os ouvidos e eu não
resisti, nem voltei atrás.
6 Oferecei minhas costas aos que me
batiam
e o queixo aos que me arrancavam a
barba.
Não escondi o rosto para evitar
insultos e escarros.
7 O Senhor é a minha ajuda!
Por isso, estas ofensas não me
desmoralizam.
Faço cara dura como pedra, sabendo que
não vou ser um fracassado.
8 Perto de mim está quem me faz justiça.
Quem tem coragem de depor conta
mim?
Vamos comparecer juntos no tribunal!
Quem tem algo contra mim? Que
se apresente e faça a denúncia!
9 O Senhor é a minha ajuda! Quem tem
coragem de condenar-me?
Todos eles vão cair aos pedaços, como
roupa velha comida pela traça! (Isaías 50,4-9)
Eles chegaram a matar Jesus. Diz o quarto Cântico do Servo:
8 Sem defesa e sem julgamento, foi
levado embora. Não havia ninguém para defende-lo.
Sim, ele foi arrancado do mundo dos
vivos, foi ferido por causa dos crimes do seu povo.
9 Foi enterrado junto com os criminosos,
recebeu sepultura entre os malfeitores,
ele que nunca cometeu crime algum e
que nunca disse uma só mentira! (Is 53,8-9)
E o cântico continua com esta prece:
10 Oh! Senhor, que o teu Servo, quebrado
pelo sofrimento, possa agradar-te!
Aceita a sua vida como sacrifício de
expiação!
Que ele possa ver os seus
descendentes, ter longa vida,
e que o Teu Projeto se realize por
meio dele!” (Is 53,10)
Esta foi a maneira de Jesus viver e realizar a sua vocação.
Ele deixou que a vocação entrasse dentro dele, e ela tomou conta da vida dele
inteira, a ponto de o apóstolo dizer que em Jesus habita “a plenitude da
divindade” (Col 2,9). Jesus é para nós o Filho de Deus que nos revela o Pai.
“Da sua plenitude todos nós recebemos” (Jo 1,16). Deus ressuscitou Jesus,
confirmando assim que o caminho da vocação de Jesus é o caminho do agrado do
Pai.
Perguntas para ajudar na reflexão e na assimilação do assunto:
1. Como Jesus vive em você?
2. O que você faz, para que a vida de Jesus em você possa crescer e irradiar?
CESEP, CURSO DO VERÃO, 14 a 16 de janeiro de 2008
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