José, homem justo e
discípulo fiel
Em 8 de dezembro de 1870, no Concílio Vaticano I, o Papa Pio
IX proclamou São José patrono da Igreja no mundo todo. O nome “José” significa:
“Deus faça crescer”. A piedade popular invoca São José como padroeiro de uma
boa morte e padroeiro dos trabalhadores. É invocado para as obras de conversão,
caridade e promoção humana.
A Sagrada Escritura fala pouco dele, mas este pouco é muito: diz que era um
“homem justo”. Isto é tudo. Deus confiou a este homem seus dois maiores
tesouros: seu próprio Filho e a mãe de seu Filho: Jesus e Maria. Podemos
considerar José como o último dos patriarcas do Antigo Testamento. Ele é a
ponte para o Novo Testamento.
A origem de José
Conforme o evangelho de Mateus, José é filho de Jacó (Mt 1,16) e conforme o
evangelho de Lucas, José é filho de Eli (Lc 3,23). Temos duas versões
diferentes. Porém, tanto Mateus como Lucas afirmam que ele era descendente do
rei Davi.
A origem era definida pela linhagem paterna. Cada pessoa sabia de que tribo
provinha e quem eram seus antepassados. Era uma espécie de carteira de
identidade na tradição das famílias judaicas. Jesus é menosprezado por ser o
“filho do carpinteiro” (Mt 13,55), pois tal profissão não era valorizada
naquela época. Conforme o evangelho de Marcos, o próprio Jesus é chamado de “carpinteiro,”
para designar o desprezo e a incredulidade referentes a sua origem (Mc 6,3). Ao
iniciar o seu ministério, Jesus tinha cerca de 30 anos e conforme se pensava,
era filho de José (Lc 3,23).
José, o homem da
interioridade
José não provém do mundo das letras e nem das leis, pois não era escriba e nem
fariseu. Não era cobrador de impostos e muito menos saduceu. Não fazia parte da
classe sacerdotal ou levítica do Templo. Não pertenceu a nenhum grupo piedoso
ou violento do seu tempo, como era o caso dos essênios e dos zelotes.
José era um homem do interior, da pequena cidade de Nazaré, tão pequena e
insignificante, que nem é mencionada no Antigo Testamento. Sua profissão era
carpinteiro, que na época, significava trabalhar com madeira, pedra e mesmo com
o ferro. O carpinteiro tinha normalmente sua oficina no pátio da própria casa.
Ademais, ninguém vivia de uma só profissão. Em geral tinham outros trabalhos no
cultivo da terra ou no pastoreio de ovelhas, cabritos e gado. A Galiléia possui
ainda hoje terras das mais férteis do mundo.
José e seu silêncio
Na Sagrada Escritura não encontramos nenhuma palavra atribuída a ele. Deus fala
a José através de anjos e sonhos. Não temos nenhum dado sobre o seu nascimento
e nem sobre a sua morte. Falava pelas mãos na carpintaria de Nazaré; pelos
braços segurando o menino Jesus; pelos pés caminhando para o exílio no Egito;
pelo amor estando junto de Maria e Jesus; pelo trabalho garantindo o sustento
para a Sagrada Família.
José era um artesão e não um rabino. Nele contam mais as mãos que a boca, mais
o trabalho que as palavras. Ele é modelo dos “cristãos anônimos”. José é o
homem do silêncio e foi quem primeiro escutou a Palavra. Ele que veio da
obscuridade e da vida cotidiana foi agraciado por primeiro por contemplar a luz
do Verbo, que ilumina a todos (Jo 1,9). O seu silêncio não é ficar mudo como
quem não tem nada a dizer. José teria muito a dizer. Ele sendo justo,
certamente irradiou ao seu redor o testemunho mais pelo exemplo do que pelas
palavras. Ou quando os fatos são grandes demais, não temos palavras, fazemos
silêncio. O silêncio é pai da palavra.
Em Nazaré estão os três que se amam e vão mudar para sempre o rosto do mundo.
Seu silêncio representa o silêncio de Deus Pai. O silêncio revela a natureza do
Pai celeste. O silêncio é a essência de José. Tal silêncio revela o nosso
cotidiano. Quando queremos ouvir a outra pessoa, temos de silenciar. A vida
interior é a vida do silêncio, que é fecundo e não vazio. É do silêncio que
nascem as palavras transformadoras da história. José é mestre da vida interior
silenciosa.
O noivado de José
Tinha do ponto de vista jurídico, o mesmo valor que o casamento. A noiva
deveria ter pelo menos 12 anos e o noivo 13. Mas era costume que se esperasse
até ele completar 18 anos, para que o casamento se realizasse. Na Palestina do
tempo de Jesus, o casamento era um acerto entre duas famílias. A mulher não
casava. Era dada em
casamento. O pai de José combinou com o pai de Maria o dote a
ser pago pelas duas famílias, visando uma certa segurança à família, em caso de
viuvez. Os noivos se comportavam como casados, porém não podiam coabitar. Isso
era impensável. Desde o noivado, o noivo devia sustentar a noiva em suas
necessidades básicas. A festa de casamento durava uma semana inteira e nas
famílias mais pobres, apenas 3 dias.
Os sonhos de José
Na concepção dos antigos, os sonhos colocavam o ser humano em contato com o
mundo dos deuses e dos espíritos, sendo usados também como revelação das
realidades futuras ou ocultas. No mundo bíblico os sonhos estão presentes,
especialmente no Antigo Testamento, e eram considerados como revelação de
verdades escondidas ou adivinhações futuras. Algumas vezes, como exortações ou
avisos da parte de Deus.
De outro lado, Deus se revela às vezes aos profetas por meio de sonhos. Como os
sonhos são geralmente obscuros, só podem ser interpretados por “sábios”.
Explicar os sonhos era considerado prerrogativa divina, um efeito do espírito
de Deus. Das cinco vezes que a palavra “sonho” aparece nos evangelhos, quatro
se referem a José:
– Não temas receber Maria como tua esposa (Mt 1,20-21);
– Toma o menino e a mãe e vai para o Egito (Mt 2,13);
– Toma o menino e a mãe e vai para a terra de Israel (Mt 2,20);
– Volta para Nazaré (Mt 2,22-23).
Em seus sonhos, José é sempre convencido por um anjo, a fazer exatamente o
contrário do que ele tinha planejado, isto é, fazer a vontade de Deus e não a
sua própria.
Jesus, o filho de José
Os evangelhos chamam José de “esposo de Maria” e Maria, por sua vez, é chamada
de “esposa de José”. O filho de Maria torna-se também o filho de José, em
virtude do vínculo matrimonial que os une. Por isso, os evangelhos o reconhecem
como o “filho de José”. O fato de a gravidez de Maria ter sido misteriosa, por
obra do Espírito e não de José, nada impede que haja uma família.
Os evangelhos não dizem nada sobre sua morte. O certo é que em nenhum momento
da vida pública de Jesus, José aparece em público ao lado de Maria. A última
vez que José apareceu em cena foi quando Jesus tinha 12 anos. Depois disso a
figura de dele desaparece.
A expectativa de vida de um judeu, na época de Jesus, era em torno de 25 a 30 anos, aproximadamente.
José, deve ter ultrapassado, pelos menos, os 30 anos. O certo é que José não
estava aos pés da cruz. Ele não viu a crucificação de Jesus. O fato de o
apóstolo João tomar Maria sob seus cuidados, revela que José não estava mais
presente.
José, a
personificação do Pai
A família divina, num momento preciso da história, assumiu a família humana. O
Pai se personalizou em José, o Filho em Jesus e o Espírito Santo em Maria. Assim, a
Trindade inteira se autocomunicou, se revelou e entrou de forma definitiva em
nossa história. Atingimos aqui a máxima coerência e a suprema sinfonia. A
humanidade inteira foi inserida no reino da Trindade. José é o pai presente. A
Trindade do céu fez sua morada na família de Nazaré.
Sem José não há encarnação completa, assim como os evangelhos a testemunham. É
preciso tirar José da marginalidade em que foi deixado e lhe dar a centralidade
que merece. Nos primeiros séculos do cristianismo, José ficou obscuro. Sobre
ele não se pronunciou nenhuma homilia, como se fez com Jesus e Maria. A partir
da Idade Média é que José começou a ganhar significado com os mestres da época,
que perceberam sua importância no mistério da salvação.
A genealogia de Jesus
conforme Mateus
Tanto Mateus como Lucas retratam a origem e a infância de Jesus. Mateus escreve
para os judeus que tinham se convertido ao cristianismo e precisavam de um
argumento convincente, baseado nas Escrituras. Como José era descendente de
Davi, preenchia este critério.
A genealogia de Mateus mostra que Jesus, como Messias, tem também uma origem
histórica no povo de Israel (Mt 1,1-17). Por 39 vezes ele usa o verbo “gerar”.
Quando chega ao ponto crucial dos 40, dá uma reviravolta total, ao dizer que
“Jacó gerou José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, chamado Cristo”. A
mudança provoca um impacto e uma quebra de seqüência, pois ao dizer que “Jacó
gerou José”, era de se esperar que dissesse em seguida que “José gerou Jesus”.
Isso não acontece. Mateus começa com Abraão e termina com Jacó, pai de José. É
o estilo descendente de apresentar. Parte de cima para baixo. Os dois
personagens de destaque são Abraão e Davi. Abraão é o pai da fé e Davi é o
fundador de uma dinastia real; ambos são beneficiados pela promessa divina. Sem
a presença de José, Jesus não entra na descendência de Davi e não seria o
verdadeiro Messias.
Mateus apresenta sua genealogia em três etapas. As 14 gerações primeiras vão de
Abraão até Davi para mostrar o ponto alto da História de Israel. Depois temos
as 14 seguintes, desde Davi até o Exílio na Babilônia, para mostrar o ponto
mais baixo da História. Por fim, as 14 gerações desde o Exílio até Cristo,
demonstram o ponto alto e definitivo da História, que culmina em Jesus.
Mateus, menciona, ainda, quatro mulheres: Tamar, a nora de Judá que o engana e
seduz (Gn 38); Raab, a prostituta que escondeu os espiões (Js 2); Rute, a
estrangeira moabita (Rt 1-4); e Betsabéia, a adúltera, mãe de Salomão (2 Sm
11). A quinta mulher mencionada é Maria. Não chama Maria esposa de José, mas
sim o contrário, José esposo de Maria.
A genealogia de Jesus
conforme Lucas
Ao contrário de Mateus, que escreve para os judeus, a genealogia de Lucas é
destinada ao mundo pagão. Começa com José e termina em Adão e chega até Deus.
Nesta lista não figura nenhuma mãe, nem o nome de Maria é citado. Jesus é
apresentado como filho de Davi, filho de Abraão, filho de Adão e chega até Deus
(Lc 3,23,38).
Lucas começa por José, cujo pai é Eli. É a forma ascendente de apresentar, e a
menos usada. Parte de baixo para cima. Lucas apresenta sua lista com setenta e
sete nomes, em onze etapas e com Jesus começa a décima segunda etapa. Conforme
uma profecia antiga, o Messias deveria aparecer no final da décima primeira
semana do tempo previsto, que equivale a 77 dias. Por isso, Lucas apresenta em
sua genealogia 77 nomes. É uma numeração original.
Podemos, então, afirmar que os evangelhos não estão interessados em José, pois
ele não constituía problema para seus leitores. O problema era apresentar a
origem divina de Jesus, da descendência de Davi. José entra na História para
resolver tal problema. O centro da questão está em Jesus e não em José. Mas, sem José,
Jesus não seria o Cristo, descendente de Davi.
Os dois relatos da infância de Jesus em Mateus e Lucas, são textos tardios.
Foram colocados como introdução aos evangelhos. Querem situar Jesus dentro da
História de Israel e da História do universo. Tudo começou a ser escrito
algumas dezenas de anos depois da ressurreição de Jesus. Se Jesus não tivesse
ressuscitado, tudo teria morrido por aí mesmo e José não seria mais lembrado.
Com a ressurreição de Jesus, todos os personagens bíblicos são revividos.
Textos para oração:
– Mateus 1,1-17: A genealogia de Jesus conforme Mateus;
– Lucas 3,23-38: A genealogia de Jesus conforme Lucas;
– Mateus 1,18-25: O sonho de José;
– Mateus 2,1-23: O começo de uma nova história.
Pe. Agenor Girardi, msc