Histórico

A Paróquia Santo André, foi desmembrada da Paróquia Nossa Senhora Imaculada Conceição, fundada em 20 de junho de 1971, tem como padroeiro o Apóstolo André, santo que a Igreja celebra sua memória no dia 30 de novembro, data de seu martírio. No dia 30 de novembro de 2014, Dom Redovino Rizzardo elevou à qualidade de paróquia, nomeando o primeiro pároco, o Padre Otair Nicoletti. A equipe de Coordenação do Conselho Comunitário de Pastoral - CCP está formada pelas seguintes pessoas: Coordenação: Laudelino Vieira, Paulo Crippa; Assuntos Econômicos: José Zanetti, Valter Claudino; Secretaria: Marcus Henrique e Naiara Andrade.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

JUVENTUDE: VOCAÇÃO E COMPROMISSO À LUZ DA PALAVRA DE DEUS (II)

 


II
AS RESISTÊNCIAS À VOCAÇÃO

Vamos ver três casos de resistência à vocação: Abraão e Sara resistem porque não conseguem crer na vocação e, por isso, apresentam caminhos alternativos. Moisés resiste porque tem medo da vocação e não quer comprometer-se.  Eliasresiste porque confunde o Deus que chama com a imagem que ele mesmo se fazia de Deus e, por isso, sem se dar conta, busca a resposta numa direção errada. São três casos de vocação de pessoas que viveram antes de nós. São, ao mesmo tempo, arquétipos, modelos, símbolos do que acontece ou pode acontecer com todos nós. São espelhos, nos quais reconhecemos algo de nós mesmos. Eles nos ajudam a entender melhor o que se passa dentro de nós.
1. O Chamado de Abraão e Sara
      1.1 Situando o chamado
Século VI antes de Cristo. O povo estava no cativeiro da Babilônia. A política expansionista do império de Nabucodonosor, rei da Babilônia, destruiu Jerusalém e arrasou com o Templo. Matou o rei e acabou com a indepen­dência política do reino de Judá. Isto foi no mês de agosto do ano 587 antes de Cristo. As grandes promessas do passado não se realizaram. O povo estava de volta na mesma terra de onde, 1300 anos antes, Abraão e Sara tinham saído para a Palestina em busca da Terra Prometida. O povo estava na escuridão (Lam 3,2-6), sentia-se injustiçado por Deus (Is 40,27; 49,14), tinha perdido a auto-estima, achava que sua vida já não tinha valor nenhum e que todo o seu esforço não adiantava para nada (Is 49,4). Vivia oprimido e disperso, sem encontrar os sinais da presença de Deus na vida (Sl 77,8-11). Muitos tinham se acomodado e diziam: “Deus se esqueceu de nós” (Is 40,27). Abandonaram Javé e começaram a crer nos deuses do império da Babilônia que lhes pareciam mais fortes!.
E no entanto, foi a esse povo desanimado e sem futuro que Deus estava chamando para ser Luz das nações (Is 42,6; 49,6). Sua vocação era anunciar a justiça (Is 42,6), libertar os oprimidos (Is 61,1), unir as tribos de Jacó (Is 49,5-6), levar a mensagem de Deus até os confins da terra (Is 49,6). Difícil crer num chamado assim!  –“Quem somos nós para realizar uma vocação assim!” De fato, a maioria nem lhe dava atenção. Dava risada.
Mas um grupo pequeno, discípulos e discípulas de Isaías, começou a lembrar e aprofundar a história de Abraão e Sara. Em vez de desanimar, diziam o contrário: “É agora que nós temos que ser Abraão e Sara! Esta é a nossa vocação!” E repetiam ao povo:
 “Vocês que buscam a justiça e procuram a Deus. Olhem para a rocha de onde foram talhados, olhem para a pedreira de ontem foram extraídos. Olhem para Abraão, seu pai, e para Sara, que os deu à luz! Quando os chamei, eles eram um só, mas se multiplicaram por causa da minha bênção!” (Is 51,1-2)
 Lembrando a história antiga de Abraão e Sara, em cuja terra estavam exilados, em vez de desanimar, os discípulos de Isaías se enchiam de esperança: “Nossos pais Abraão e Sara conseguiram! Nós também vamos conseguir!” Hoje acontece o mesmo. Muitos se acomodam, mas outros dizem o contrário: “É agora que nós temos que ser Zumbi! Tiradentes! Santos Dias! Oscar Romero! Padre Josimo! Irmã Doroty! Esta é a nossa vocação!”
Para ajudar o povo do cativeiro a descobrir e assumir esta sua vocação, os discípulos de Isaías começaram a contar novamente a história de Abraão e Sara, mas a contavam de tal maneira que o povo pudesse descobrir nela sua própria vocação e a maneira de como realizá-la. As narrações sobre Abraão e Sara, conservadas no livro de Gênesis, refletem não só a história do casal no longínquo passado de 1800 antes de Cristo, mas também, como num espelho, a situação difícil e sem horizonte do povo no cativeiro da Babilônia. A maneira dramática como é narrada a história de Abraão e Sara deixa transparecer como era difícil para o povo do cativeiro crer na vocação que lhe vinha de Deus e sugere, ao mesmo tempo, como ele devia fazer para crer na vocação e assumi-la. Estas narrações também são espelho para nós hoje refletirmos sobre a nossa vocação, sobre o nosso chamado.
      1.2. O chamado
Eis como começa o chamado para sermos Abraão e Sara, para refazermos a história:
Javé disse a Abrão: "Saia de sua terra, do meio de seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei. Eu farei de você um grande povo, e o abençoarei; tornarei famoso o seu nome, de modo que se torne uma bênção. Abençoarei os que abençoarem você e amaldiçoarei aqueles que o amaldiçoarem. Em você, todas as famílias da terra serão abençoadas". Abrão partiu conforme lhe dissera Javé. E Ló partiu com ele. Abrão tinha setenta e cinco anos quando saiu de Harã. Abrão levou consigo sua mulher Sarai, seu sobrinho Ló, todos os bens que possuíam e os escravos que haviam adquirido em Harã. Partiram para a terra de Canaã e aí chegaram.  (Gn 12,1-5)
A promessa de ser pai de um povo e fonte de bênção para toda a humanidade é uma vocação bonita que atrai. Vocação importante de grande alcance. Mas a condição para poder ser pai de um povo é ter ao menos um filho. Abraão já tinha 75 anos e sua esposa Sara era estéril e avançada em idade. A condição para Abraão crer na sua vocação era crer em Sara, crer que Sara pudesse ter um filho. Difícil crer numa promessa assim! Era mais fácil crer no projeto que os dois iam elaborando como possível alternativa para uma promessa aparentemente impossível.
      1.3. As propostas alternativas
Foram três as propostas alternativas que os dois elaboraram. Mas também foram três as pancadas que levaram, três os impasses que enfrentaram, três os fracassos que sofreram, até renascer e descobrir o caminho. Tem gente que leva dez pancadas, outros caem vinte vezes até aprender. Outros não levam pancada nenhuma nem caem, porque já estão deitados no chão, são humildes. Vejamos as propostas alternativas de Abraão e Sara:
             1.3.1. A primeira proposta alternativa à promessa de Deus: Eliezer
Humanamente falando, a vocação de Deus ultrapassava as possibilidades reais do casal. Abraão já era velho e Sara não podia ter nenê. A primeira proposta de Abraão para tentar uma saída foi a de apresentar Eliezer, seu empregado, como substituto de um (im)possível filho (Gn 15,1-6). Conforme as leis da época, Abraão poderia adotá-lo como filho. O filho de Eliezer seria neto de Abraão, e a promessa de ser pai de um povo estaria garantida, a vocação estaria realizada. No fundo, Abraão não acreditava na promessa. Mas Deus disse: “Eliezer, não! Vai ter que ser filho seu!” (cf. Gn 15,4). É a primeira rasteira. Tudo voltou à estaca zero!
             3.2. A segunda proposta alternativa à promessa de Deus: Ismael
Para poder crer na sua vocação, Abraão devia crer em Sara, e Sara devia crer em Abraão. Não basta crer em Deus abstratamente. A vocação está ligada a pessoas concretas. A segunda proposta foi a de apresentar Agar, escrava de Sara, para ser mãe do futuro filho (Gn 16,1-16). Novamente, os dois não deram conta de crer em si mesmos nem na vocação. Achavam que a promessa só poderia realizar-se através de Agar, isto é, através do projeto que eles tinham imaginado. Nasceu Ismael, filho de Abraão e Agar. O nome Ismael significa “Deus ouviu!” Através de Ismael, filho de Abraão, o povo estava garantido. Novamente, vem a resposta de Deus: “Ismael, não! Terá que ser filho de Sara!” (Gn 17,15-19). É a segunda rasteira. E novamente, tudo voltou à estaca zero!
             1.3.2. A terceira proposta alternativa à promessa de Deus: Isaque
Abraão recebeu a visita de três peregrinos e os recebeu com muita hospitalidade (Gn 18,1-8). Os três diziam que Sara ia ter nenê no ano seguinte. Sara riu (Gn 18,9-15). Abraão também riu (Gn 17,17). Todos rimos, porque não acreditamos em nós mesmos, nem na vocação. Só acreditamos no que nós fazemos para Deus, e não no que Deus é capaz de fazer por nós. Mas finalmente, Abraão consegue crer em Sara, e nasce o filho que recebe o nome de Isaque, o que significa Risada (Gn 21,1-7). De Deus não se ri. Falou, está falado! Podes crer! O nascimento de Isaque clareou o horizonte. Finalmente, o povo estava garantido, a vocação estava realizada. A bênção prometida ia poder irradiar para todas as nações da terra. Mas aqui acontece uma coisa muito sutil. Agora que Isaque nasceu, a esperança de Abraão tem um fundamento concreto e palpável: o filho. E imperceptivelmente o fundamento da esperança passa de Deus que oferece o dom, para o dom oferecido por Deus. E aí a palavra de Deus chega até Abraão: “Vai sacrificar o teu filho Isaque no lugar que eu te mostrar!” (Gn 22,1-2). É a terceira rasteira. Estaca zero de novo. Tudo voltou para antes do começo.
             1.3.4 A resposta final à promessa de Deus: a entrega total
Desta vez, Abraão não discute, não diz nada. Ele é obediência muda. Apenas age (Gn 22,3-10). Não se fica sabendo o que ele pensa. O texto não informa. Cada um de nós, lendo o texto e confrontando sua atitude com a de Abraão, deve preencher a informação que falta no texto. No último momento, Deus manda Abraão parar. Não pode sacrificar o filho (Gn 22,11-19). Basta a obediência, interpretada pela carta aos hebreus da seguinte maneira: “Abraão acreditava que Deus é capaz de tirar vida da própria morte”, e acrescenta: “Isso é um símbolo para nós” (Hb 11,17-19). “Abraão acreditou em Deus e isto lhe foi imputado como Justiça, e ele foi chamado amigo de Deus” (Tg 2,23; Rom 4,3; Gn 15,6).
“Isso é um símbolo para nós” (Hb 11,19). Símbolo, modelo, arquétipo! De que maneira? Poderíamos continuar o comentário da carta aos hebreus dizendo: Todos nós, casados ou solteiros, todos e todas temos um Isaque, do qual não abrimos mão, que consideramos o fundamento da nossa vida, e sem o qual não poderíamos imaginar nossa vida. Chegará o dia em que Deus (a vida) pedirá a mesma coisa: Sacrifique esse seu Isaque, para que a esperança seja colocada em Deus, só nele!
Responder à vocação, comprometer-se de fato, é um processo, que ocupa a vida inteira. É fruto de lenta e dolorosa purificação. É como descascar uma cebola. Você tira uma casca, e terá outra casca para tirar. Você grita: “Pare! É o miolo!” E não é o miolo, é casca. Cebola não tem miolo. Só tem casca. E enquanto descasca a cebola você chora. Até descobrir que não temos miolo. Só temos casca, pois não fomos feitos para nós mesmos, mas para Deus e para os outros.
2. O chamado de Moisés
      2.1. Situando o chamado
Grande parte dos livros de Gênesis e Êxodo foi escrita na época do cativeiro ou logo depois. As longas histórias dos patriarcas e matriarcas, do êxodo e dos quarenta anos no deserto eram narradas e foram escritas para ajudar o povo do cativeiro a redescobrir sua missão  como povo de Deus. É com esta finalidade que o livro do Êxodo narra a história da vocação de Moisés.
O diálogo do chamado entre Deus e Moisés se prolonga por vários capítulos. É o diálogo do povo do cativeiro com Deus, é o diálogo de todos nós. Nele aparecem as resistências, os medos, os pretextos reais ou imaginários que inventamos para poder escapar da vocação. O diálogo entre Deus e Moisés é um espelho do diálogo que nós travamos com a realidade que nos desafia, com a consciência que nos incomoda, com Deus que nos chama.
Quando as coisas acontecem, a gente nem sempre percebe logo todo o seu significado. Não percebe nem entende logo o apelo ou a vocação de Deus que existe dentro dos fatos, e pode até dar uma resposta errada. Jeremias, por exemplo, ficava devendo a resposta diante da situação de injustiça que se alastrava no país e que o deixava perplexo (Jr 12,1-3). Moisés sentiu um chamado diante do maltrato do seu povo, mas não deu a resposta certa. Sem refletir, matou um egípcio e teve que fugir (Ex 2,11-15). Demorou quarenta anos (cf. At 7,23.30; Ex 7,7) até ele sentir de novo o chamado vindo do povo (Ex 3,7-10). O claro e o escuro convivem na pessoa chamada. A Palavra que chama é, ao mesmo tempo, fonte de alegria e de angústia (Jer 15,15-16; 20,7-18).
A raiz desta contradição aparente está não só nas contradições da vida e da situação social, mas também na natureza do chamado que vem de Deus. A certeza que a experiência de Deus nos transmite é aceita na fé e nem sempre se traduz em certeza humana de nível psicológico. A certeza que Deus comunica é uma só: "Va! Estou com você!" (Jr 1,8; Ex 3,12). Ela não faz a pessoa chamada ficar mais inteligente ou mais perspicaz, não muda o seu caráter, nem aumenta o grau do seu conhecimento. Ela é como a luz do sol que de repente ilumina tudo, transformando tudo, sem mudar nada. Ela ajuda o chamado a relativizar tudo em função do único absoluto que é Deus e a vida do povo, ambos fonte da sua vocação e missão.
      2.2. O chamado
É no contexto deste diálogo, que a Bíblia, em seis versículos (Ex 3,10-15), explica o significado do nome JAVÉ como sendo o fundamento último da nossa vocação. Estes seis versos têm uma densidade teológica muito grande. Refletem a nova experiência de Deus que o povo foi adquirindo naqueles anos difíceis do cativeiro. Explicam a importância do nome JAVÉ para a aceitação e realização da vocação que recebemos. Em hebraico, o nome JAVÉ é escrito com estas quatro letras JHWH.  Eis em gráfico esquemático o texto abreviado de Êxodo 3,10-15:

Eu te envio a Faraó para fazer sair meu povo (Ex 3,10)  
Quem sou eu para ir ao faraó? (Ex 3,11)         
Va! Estou com você! (Ex 3,12)                                       
O povo vai perguntar: Qual o seu nome? (Ex 3,13)          
Estou que estou! (Ex 3,14)                                            
Assim dirás: Estou me mandou. (Ex 3,14)                         
Assim dirás: Está me mandou. (Ex 3,15).           
Este é o meu nome para sempre (Ex 3,15)      
Assim serei invocado de geração em geração. (Ex 3,15) 

Reafirma a expressão anterior: Estou com você
Estou repete e abrevia Estou que Estou
Está em hebraico se escreve JHWH ou JHJH
O nome é JHWH, o que significa Estou com você

O texto utiliza um jogo de palavras para comunicar o significado profundo do nome Javé, JHWH. Este nome é muito antigo de origem desconhecida, mas no diálogo de Deus com Moisés o nome antigo é associado com a promessa divinaEstou com você. Moisés não crê nesta promessa. Por isso, repetindo o mesmo verbo Deus reafirma a promessa e diz: Estou que Estou. Ou seja: “Certissimamente estou com você, Moisés! Disso você não pode duvidar”. Em seguida, Deus abrevia a mesma expressão para sua forma reduzida e diz Estou. No fim, o texto passa da primeira pessoa singular do verbo (Estou) para a terceira pessoa do mesmo verbo e diz Está. Em hebraico, a terceira pessoa singular do verbo estar se escreveJHJH ou, às vezes, JHWH, o que é igual ao nome de Deus. Assim, o nome JHWH é explicada aqui como sendo a afirmação categórica da parte de Deus de que Ele está sempre conosco: Estou com você. E termina dizendo que é sob este nome JHWH que Ele quer ser invocado, de geração em geração. Deus já não quer ter outro nome, a não ser este: JHWH ou JAVÉ, que significa: Estou com você, Estou que Estou, Tô que Tô, Ele está no meio de nós, Deus conosco, Emanuel! O nome é a expressão do compromisso que Deus assumiu com o seu povo de estar sempre no meio dele para libertá-lo da opressão.
      2.3. As resistências
O diálogo entre Deus e Moisés (de Ex 3,1 a 4,18) é o diálogo de todos nós. Moisés resiste à vocação porque tem medo. Mas ele não fala claramente. Disfarça o medo atrás de outros motivos e pretextos. Mas cada vez de novo, Deus desfaz a racionalização e desmascara o pretexto.
             2.3.1.Primeiro pretexto: humildade: “Quem sou eu?”
Moisés apresenta humildade para esconder o medo: Quem sou eu para ir ao faraó? Deus poderia ter respon­dido: “Não, Moisés! Você é capaz. Você se formou na escola do faraó. Você tem diploma! Tem capacidade, poder e formação suficientes!” (cf. Ex 11,3; At 7,22). Mas Deus não responde ao pretexto. Ele vai direto ao motivo verdadeiro que era o medo, e diz: “Estou com você!” Aqui, nestas três palavras Moisés recebe a confirmação básica da sua vocação. Deus não oferece dinheiro nem armas, nem diploma. Apenas diz: “Va! Estou com você!”  Nada mais. Não existe uma garantia mágica que me dê certeza sensível de que Deus está comigo. O único acesso a Deus é a entrega total na fé. É crer que ele está conosco, comigo! Se eu tiver a coragem de me entregar e de deixar Deus ser Deus na minha vida, poderei ter a certeza absoluta da presença libertadora de Deus na minha vida.
             2.3.2.Segundo pretexto: ignorância: “Qual o nome?”
Moisés não se dá por vencido, e busca um outro pretexto. Ele imagina que o povo vai perguntar pelo nome de Deus. Este segundo motivo é real, tem fundamento. Pois eles já estavam 400 anos no Egito e Deus nunca tinha mostrado a sua presença. Deixou que sofressem por quatro séculos! E agora de repente aparece Moisés dizendo que Deus o enviou para libertar o povo. Para o povo Deus já não tinha nome, já não existia, não representava mais nada. A pergunta pelo nome também revela o desejo de poder manipular a divindade através do uso mágico do nome.
Na realidade, o problema não era o nome de Deus, mas era o próprio Moisés que não conseguia crer na promessa divina Estou com você!  Novamente, a resposta de Deus não se dirige ao pretexto do nome inventado por Moisés, pois Deus não responde: “Meu nome é Javé”. Ele se dirige ao pretexto, à falta de fé e de confiança de Moisés. Dizendo Estou que Estou, Deus simplesmente está repetindo o que já havia dito anteriormente: “Estou com você!” Tô que Tô!  Ou seja, ele reafirma de maneira categórica: ”Certissimamente estou com você!” Em seguida, abreviando a mesma expressão, ele diz: Estou me mandou”. Quando Deus fala de si mesmo ele usa a primeira pessoa singular e diz Estou. Quando nós falamos a respeito de Deus, usamos a terceira pessoa singular e dizemos: Está. Em hebraico a palavra Está se escreve JHJH ou JHWH. O nome antigo recebe aqui um significado novo de grande alcança. A certeza de fé que o nome Javé comunica à toda pessoa chamada é esta: “Certissimamente estou com você!” Esta é a certeza maior, o centro da nossa fé, o eixo da Bíblia. Só no Antigo Testamento o nome Javé aparece mais de 7000 vezes. Cantado e contado, em prosa e verso, de mil maneiras , em todas as tonalidades e formas literárias.
             2.3.3.Terceiro pretexto: a falta de fé dos outros: “Não vão crer em mim!”
Mas Moisés (o povo do cativeiro, todos nós) não está convencido e vem com outra dificuldade: “E se não acreditarem em mim, o que é que vou fazer?” (cf. Ex 4,1). Moisés esconde o medo e a falta de fé atrás da pretensa falta de fé do povo: “O povo não vai acreditar em mim!” Na realidade, quem não acreditava, não era o povo, mas sim o próprio Moisés. Em resposta, Deus o faz realizar três sinais milagrosos: mudar o bastão em serpente (Ex 4,2-5), fazer a mão ficar cheia de lepra (Ex 4,6-8) e mudar a água do rio em sangue (Ex 4,9). Trata-se de histórias bem populares para mostrar a Moisés que ele não podia ter esse pretexto para escapar da vocação. Era para ajudá-lo a crer no chamado.
             2.3.4.Quarto pretexto: incapacidade física: “Sou gago, não sei falar”.
Moisés inventa outra dificuldade: “Meu Senhor, eu não tenho facilidade para falar!” (Ex 4,10; 6,30). Deus desfaz o argumento, pois ele é o criador da boca dos homens (Ex 4,11-12). Não tem cabimento inventar este pretexto do defeito no falar junto ao Criador da boca dos homens!
             2.3.5.Motivo verdadeiro: “Não quero, mande um outro!”
Moisés insiste: “Não, meu Senhor, mande a quem quiser!” (Ex 4,13). Ou seja, mande a quem quiser, mas não a mim. Aqui Moisés falou claro. Deixou de esconder-se atrás de pretextos e refúgios e, finalmente, disse aquilo que estava no fundo da sua alma: “Não quero! Mande um outro!” E Deus também falou claro expressando novamente a sua vontade com relação à missão de Moisés: E você vai! Pode levar Aarão com você, que tem língua boa para falar! (Ex 4,14-17; 7,1-2).
             2.3.6.A resposta final de Moisés: aceitou a vocação
Moisés aceitou a vontade de Deus, foi para casa e disse ao sogro: “Vou voltar para o Egito para ver se meus irmãos ainda vivem”. O sogro respondeu: “Vai em paz!” (Ex 4,18).
O que teria acontecido se Moisés não tivesse ido? Talvez tivesse sido um bom executivo do faraó, um devoto fiel do Deus Rá, divindade suprema do sistema piramidal do Egito. Talvez tivesse recebido, depois da sua morte, uma pequena pirâmide como sepultura, e os arqueólogos do século XXI talvez o descobrissem, mas nós não estaríamos aqui para participar deste curso do CESEP.  A história teria tomado um outro rumo.
3. O chamado de Elias
      3.1. Situando o chamado
Século VI antes de Cristo. O povo está no cativeiro da Babilônia e tenta reler as grandes figuras do passado para encontrar nelas algumas luz para clarear a escuridão em que se encontravam. Uma luz foi encontrada na releitura da história do profeta Elias, que viveu no século IX antes de Cristo no tempo do rei Acab e da rainha Jezabel (cf. 1Rs 17 a 21). Eles olhavam não só o lado exterior e grandioso deste grande profeta, mas também e sobretudo o lado interior e escondido das suas crises e dúvidas. O estado de depressão em que Elias ficou ao fugir diante da ameaça da rainha Jezabel era um espelho da situação deles mesmos no cativeiro e de muitos de nós:
“Elias sentou-se debaixo de uma árvore e desejou a morte, dizendo: "Chega, Javé! Tira a minha vida, porque não sou melhor que meus pais". Deitou-se debaixo da árvore e dormiu. Então um anjo o tocou e lhe disse: "Levante-se e coma". Elias abriu os olhos e viu bem perto da cabeça um pão assado sobre pedras quentes, e uma jarra de água. Comeu, bebeu e deitou-se outra vez”. (1Rs 19,2-6)
Elias só quer comer, beber e dormir. Como muitos dos exilados na Babilônia, Elias tinha perdido o sentido da vida. O anjo voltou uma segunda vez e, finalmente, Elias desperta, reencontra a força e caminha, quarenta dias e quarenta noites, até chegar no Monte Horeb (1Rs 19,4-8), onde, séculos antes, naquele mesmo lugar, havia nascido o povo de Deus (Ex 19,1-8). Elias volta às raízes! Era esta a caminhada que o povo do cativeiro devia fazer: voltar às raízes para poder redescobrir e reabastecer a vocação! Hoje existem muitos anjos e anjas a bater na porta do nosso coração para nos acordar e fazer assumir a vocação.
No Monte Horeb, Deus o interpela:
“Elias, que fazes aqui?” Ele responde: “Eu me consumo de zelo pela causa do Senhor, pois os filhos de Israel abandonaram a aliança, derrubaram os altares e mataram os profetas. Fiquei só eu e até a mim eles querem matar!” (1Rs 19,10.14).
Existe uma contradição entre o discurso e a prática. Conforme o discurso Elias é o único que sobrou; mas na prática havia sete mil que não tinham dobrado o joelho diante de Baal (1Rs 19,18). Conforme o discurso Elias está cheio de zelo; mas a prática mostra um homem medroso que foge (1Rs 19,3). Conforme o discurso ele sabe analisar o fracasso da nação; mas na prática não sabe analisar o seu próprio fracasso, pois nem percebe a presença do anjo.
      3.2. O chamado
O olhar de Elias estava perturbado por algum defeito que o impedia de avaliar a situação com objetividade e de perceber a vocação de Deus. Não é que ele tivesse perdido a fé, mas já não sabia como enfrentar a realidade nova com a fé antiga. Havia algo de comum entre Elias e seus perseguidores: ambos matavam em nome de Deus! Foi em nome de deus (Javé) que Elias matou os 450 profetas de Baal (1Rs 18,40). Foi em nome de deus (Baal) que Jezabel matou os profetas de Javé. Havia algo de errado na imagem de Deus que animava Elias na sua luta contra Baal. Por isso, seu olhar estava perturbado, incapaz de avaliar a situação com objetividade.
Como descobrir os enganos que nos impedem de perceber a vocação, o chamado de Deus? Qual a imagem de Deus que deveria estar hoje em nós? Esta era e continua sendo a pergunta fundamental. A resposta é dada em seguida na história da Brisa Leve.
       3.3.Descobrir os enganos, os caminhos errados
Elias recebe a ordem: “Saia e fique no alto da montanha, diante de Javé, pois Javé vai passar!” (1Rs 19,11). Elias sai da gruta e se prepara para o encontro com Deus. Momento solene! No passado, naquela mesma Montanha, Deus manifestara sua presença no furacão, no terremoto e no fogo (Ex 19,16). Estes sinais tradicionais da presença de Deus eram os critérios que orientavam Elias na sua busca. Mas acontece o inesperado: Deus já não está no furacão, nem no terremoto, nem mesmo no fogo que, pouco antes, lá no Monte Carmelo, havia sido o grande sinal da presença divina a queimar o sacrifício diante de todo o povo (1Rs 18,38). Parece até um refrão que chama a atenção: “Javé não estava no furacão!” – “Javé não estava no terremoto!” – “Javé não estava no fogo!” (1Rs 19,11-12) Os sinais tradicionais da presença de Deus eram lâmpadas apagadas. Bonitas para ver, mas sem luz! Deixaram Elias no escuro! Elias vivia no passado! Deus já não era como ele, Elias, e tantos outros no cativeiro o imaginavam e desejavam.
É a desintegração do mundo de Elias: espelho da desintegração da vida do povo no cativeiro depois que Nabucodonosor mandara destruir os sinais tradicionais da presença de Deus: o templo, o rei, a posse da terra. Caiu tudo! A imagem que Elias (o povo do cativeiro) tinha de Deus quebrou em mil pedaços. É o silêncio de Deus! Na língua hebraica, este silêncio, é expresso com as seguintes palavras: “voz de calmaria suave”, (qôl demamáh daqqáh). As traduções costumam dizer: “Murmúrio de uma brisa suave” Mas a palavra hebraica, usada para indicar a calmaria, vem da raiz DMH, que significa parar, ficar imóvel, emudecer. O “murmúrio de uma brisa suave”, que veio depois do furacão, terremoto e fogo, indica uma experiência, que, como um golpe suave e inesperado, faz a pessoa ficar calada, cria nela um vazio e, assim, a dispõe para escutar. É puxão de orelha, tapa na cara! Mesmo dado com suavidade, não deixa de ser tapa! Tapa que desperta, quebra a ilusão irreal e faz a pessoa colocar o pé no chão. Na realidade, a brisa suave, o tapa na cara, era o próprio exílio que tinha destruído tudo e obrigava o povo a uma conversão radical.
       3.4.A resposta final de Elias
Elias cobre o rosto com o manto (1Rs 19,13). Sinal de que tinha descoberto a presença do apelo de Deus naquilo que parecia ser a sua ausência! Despertou! Aprendeu a lição! A situação de derrota, de morte e de secularização em que se encontrava o povo no cativeiro é percebida por ele como sendo o momento e o lugar onde Deus o atinge. A escuridão iluminou-se por dentro e a noite ficou mais clara que o dia (Sl 139,12). Deus se fez presente na ausência para além de todas as representações e imagens! Escuridão luminosa! Não é a luz no fim do túnel, mas sim a luz que já existia na escuridão do próprio túnel e que Elias não enxergava. É uma luz diferente.
A experiência de Deus na Brisa Leve dá olhos novos e produz uma mudança radical. Elias descobre que não é ele, Elias, que defende a Deus, mas é Deus quem defende a Elias. É a sua conversão e libertação! Reencontrando-se com Deus, encontrou-se consigo mesmo e com a sua missão. Descobriu sua vocação lá, onde pensava que Deus não tivesse nada a dizer-lhe! Imediatamente, ele parte para cumprir as ordens de Deus. Uma delas é ungir Eliseu como profeta em seu lugar (1Rs 19,16). Renasce a profecia! A luta pela justiça renasce da experiência da gratuidade.
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Perguntas para ajudar na reflexão e na assimilação do assunto:
1. O que mais chamou sua atenção na vocação de Sara e Abraão, de Moisés e de Elias? Por que?
2. O que mais atrapalha a você na realização da sua vocação:
    * a falta de fé ou de confiança? (Abraão e Sara)
    * o medo? (Moisés)
    * idéia errada da vocação e de Deus? (Elias)
3 Qual o tapa na cara de que hoje estamos precisando ou que já estamos recebendo e ainda não percebemos?
4. Quais as idéias erradas sobre Deus que hoje nos desviam do caminho e nos impedem de descobrir nossa vocação?


               CESEP, CURSO DO VERÃO, 14 a 16 de janeiro de 2008

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