JUVENTUDE E VOCAÇÃO
1. Oséias e Gomer: dois jovens descobrem e assumem sua
vocação
1. O contexto do chamado
Século VIII antes de Cristo, Reino de Judá. Naquele tempo,
os reis se apresentavam como filhos de Deus, intermediários entre Deus e o
povo. Para o povo poder estar bem com Deus devia estar bem com o rei. Os reis
exibiam luxo e riqueza como sinal do poder e da grandeza do seu deus (1Rs
5,1-3.6; 9,26-28; 10,1-29). Para obter e manter essa grandeza e poder, eles
precisavam de muitos escravos e de muito dinheiro (cf. 1 Sm 8,10-18). E é aqui
que entra a manipulação da religião da fertilidade, cuja divindade principal
era Baal, nome que significava patrão,
dono.
Na opinião do povo, Baal manifestava o seu poder de
fertilidade na produção dos alimentos e na reprodução da vida. Era Baal, assim eles
pensavam, que fertilizava a terra por meio das chuvas e em nome de Baal se
promovia o culto da prostituição sagrada nos pequenos santuários dos “lugares
altos”. Era lá que o povo buscava uma intimidade maior com o deus da
fertilidade através do contato com prostitutas e prostitutos sagrados. Esta
prática religiosa era muito divulgada na Palestina. Existia muito antes da
chegada dos israelitas. As ofertas e donativos do povo ao deus Baal eram para o
rei. Os filhos e filhas que assim nasciam das prostitutas sagradas aumentavam o
número de escravos e escravas do rei. Esta religião infiltrou-se na vivência
diária do povo de Deus, foi assumida pelos reis de Israel e acabou sendo norma
comum para todos
Neste contexto, viviam os jovens Oséias e sua namorada
Gomer. Como todo mundo, os dois cresceram dentro daquele sistema enganador da
monarquia de Israel. Foram educados para ver na pessoa do rei o filho preferido
de Deus, porta-voz da vontade divina. Como a maioria das moças da época, Gomer,
chegando à idade de casar, foi levada para os “lugares altos” da prostituição
sagrada, onde foi prostituída, para que gerasse filhos e filhas para o rei.
Tornou-se mãe solteira (cf Os 1,2). Em troca recebia comida e roupa para
sustentar a família. Da mesma maneira, como a maioria dos rapazes, Oséias
freqüentava os “lugares altos”. Chegando à idade de casar, procurou uma moça
que pudesse ser sua esposa, e a encontrou entre as moças prostituídas.
Foi nesta situação ambígua que os dois se conheceram, se
gostaram, casaram e começaram a conviver como marido e mulher. Ao mesmo tempo,
Gomer continuava prestando o seu serviço no “lugar alto” da prostituição
sagrada, e Oséias continuava freqüentando o culto de fertilidade. Gomer não era
uma prostituta nem uma mulher adúltera ou infiel no sentido que nós damos hoje
a estas palavras. Ela era, isto sim, uma moça prostituída, uma das muitas
vítimas daquele sistema opressor dos reis que pervertia o sentido da vida, do
casamento, da família e da religião.
Esta era a prática comum, aceita por todos como sendo o
caminho normal, pois não havia outro jeito nem outro horizonte. Era como a
situação de muitas moças de hoje que vivem na prostituição. Elas o fazem não
porque gostam ou querem, mas por ser este o único meio que lhes sobrou para
ajudar em casa e não morrer de fome. Tanto ontem como hoje, cria-se todo um
jeito de pensar e de viver que impede as pessoas de tomarem consciência crítica,
e elas acabam achando normal aquilo que, na realidade, é anormal, contrário à
vida.
Esta situação geral em que se encontrava o povo já vinha de
longe e parecia sem saída (Os 5,4). Mas com Oséias e Gomer aconteceu algo novo
que mudou o rumo da história e fez nascer uma nova esperança. Foi a experiência
do amor sincero entre os dois que os ajudou a perceber a contradição a que eram
obrigados a submeter-se.
2. A lenta e progressiva descoberta da
vocação
O drama do casal
Era em nome de Deus que a sociedade os obrigava a praticar
a prostituição. Mas, aos poucos, os dois foram se dando conta de que, para
eles, já não era possível combinar o serviço ao rei com este amor sincero que
os unia e que lhes parecia igualmente um grande dom de Deus. De fato, o amor verdadeiro
não consegue conviver com falsidade, mesmo quando esta é manipulada e
apresentada como expressão da vontade de Deus. Pois como saber se o filho que
nasce era deles mesmos, fruto do seu amor, ou de algum outro visitante do
“lugar alto” a quem Gomer devia entregar-se em nome da sua obediência ao Rei e
da sua dependência do sistema. Esta era a contradição que os amargurava.
O casal vive este drama. Por ora, os dois não vêem saída,
nem vêem claras as coisas. A cabeça, instruída pelo catecismo do rei, dizia uma
coisa; o coração, desejoso de viver o amor, dizia outra. Muitos outros casais devem ter
experimentado a mesma contradição, sem verem uma saída concreta. Sentiam-se
ameaçados no mais profundo da sua vida. Viviam um drama que ameaçava na raiz,
tanto o amor que os unia entre si, como o amor que tinham a Deus e ao povo.
Como dirá mais tarde o livro de Oséias, tudo parecia contaminado por um
“espírito de prostituição” (Os 4,12; 5,4).
Os dois descobrem a mão de Deus no amor que os une
Na mesma medida em que a vivência do amor fazia crescer
neles a consciência crítica frente ao sistema do rei e frente à prática da
prostituição sagrada, nesta mesma medida Gomer e Oséias foram descobrindo que
este amor era uma expressão da presença bondosa e providente de Javé em suas
vidas. Refletindo sobre o amor que os unia, os dois descobriram: “Era Javé que
nos chamava para o casamento!” Ou como diz o livro de Oseias: “Javé me disse:
vai e toma para ti uma mulher da prostituição e filhos da prostituição!” (Os
1,2).
Os dois começam a desconfiar do sistema da religião
oficial. O que Deus pedia não eram esses sacrifícios e donativos que se
ofereciam nos “lugares altos”, mas sim o amor e o respeito às pessoas: “Quero
amor e não sacrifícios; conhecimento de Deus mais do que holocaustos” (Os 6,6).
Assim começa a nascer lentamente a vocação, sem muita clareza, no meio das
contradições da vida. Mas até chegar a total clareza da vocação, muita água
teve que passar baixo da ponte. A vocação profética nasce devagar.
O amor os leva a desconfiar do sistema machista da religião
de Baal
Cada vez que Gomer voltava do “lugar alto”, trazendo pão,
água, roupa e comida para sustentar a família, e que se encontrava com Oséias,
os dois devem ter-se olhado e devem ter sentido que, por mais que o rei
dissesse que isto era a expressão da vontade de Deus, eles sentiam que Deus não
podia estar de acordo com essa prática. A monarquia apresentava Deus como um Baal, como um patrão, igual ao
rei, que se impunha ao povo como dono e proprietário das pessoas, dominando as
consciências. Em muitas famílias, o próprio marido começava a comportar-se como
um baal, como um patrão,
dono e proprietário da mulher. Mandava nela e a mandava ir ao “lugar alto”
buscar as coisas para viver e sobreviver com os filhos.
Gomer olhando para Oséias e experimentando o seu amor, se
dava conta de que ele não era um baal,
um patrão, mas sim um marido, um companheiro. Sentia e experimentava o seu amor
e, por isso mesmo, sentia-se valorizada e não dominada nem condenada. Oséias
olhando para Gomer e convivendo com ela no dia-a-dia da vida, sentia e
experimentava que ela não era nem nunca poderia ser sua propriedade, mas era,
isto sim, a sua esposa amada, companheira amiga, igual a ele. Sentia que, mesmo
tendo que ir ao “lugar alto”, Gomer não era uma prostituta. Por isso, ele não
podia nem queria abandoná-la, mas continuava a amá-la, pois só mesmo o amor
seria capaz de devolver a ela e a ele mesmo a consciência da sua dignidade como
gente e como filho e filha de Deus.
A experiência da força do amor humano leva à descoberta do
amor de Deus
A experiência do amor levou os dois a descobrir não só os
enganos da propaganda da monarquia, mas também algo muito simples e, ao mesmo
tempo, muito profundo dentro de si mesmos, a saber, a força do amor! O amor os
fez renascer. Promovia neles a consciência de gente e de filho e filha de Deus.
Em vez de abandonados e prostituídos, sentem-se amados e promovidos. Descobrem
que a força do amor pode regenerar uma pessoa a ponto de ela sentir-se como que
renascida, apagando nela por completo a consciência anterior de gente dominada,
manipulada e prostituída.
E aí nasceu o clarão maior: assim como o amor os ajudava a
aceitar-se mutuamente e a renovar o casamento de uma maneira nova, diferente do
sistema dos reis, assim era o amor de Deus para como seu povo (Os 3,1). Javé
não é um baal, um patrão
que oprime e escraviza. Ele ama o seu povo com amor gratuito que ultrapassa
tudo. Esta descoberta do amor de Deus é a raiz da vocação profética do casal,
ou melhor, é a sua manifestação. A raiz foi a experiência humana do amor entre
os dois que levou à descoberta do amor de Deus. O clarão maior do amor de Deus
iluminou tudo e os ajudou a reler a história da sua própria vida e da vida do
povo. As palavras tão bonitas com que Gomer e Oséias renovaram o seu casamento,
são as mesmas que Deus dirige ao seu povo:
“Agora, sou eu que vou seduzi-la, vou levá-la ao deserto e
conquistar seu coração. Eu me casarei com você para sempre, me casarei com você
na justiça e no direito, no amor e na ternura. Eu me casarei com você na
fidelidade e você conhecerá Javé” (Os
2,16.21-22)
Nasce a vocação profética: com Deus na contramão
Oséias e Gomer criam coragem e rompem com o sistema dos
reis. De comum acordo, decidem não freqüentar mais o “lugar alto” de
prostituição: ”Por um bom
tempo você ficará em sua casa para mim, sem se prostituir, sem relação com
homem nenhum, e eu farei a mesma coisa por você” (Os 3,3). Eles tomam distância do
sistema dos reis para poder refazer a Casa.
Mudam o regime familiar para não se prostituir. Pois a Casa, a família, é mais
importante que o templo e o “lugar alto”. Começam a viver na contramão da
sociedade. Iniciam a ação profética de denúncia contra o sistema enganador dos reis e contra o
“espírito de prostituição” que pervertia o sentido da vida do povo.
O povo tinha se afastado de Deus (Os 1,2; 4,12) e o
“espírito de prostituição” impedia-o de conhecer a Javé (Os 5,4). O vinho e o licor lhe
tiravam a razão (Os 4,11) e ele já não percebia que Javé o dirigia nos caminhos
tortuosos da sua vida (Os 2,10; 11,3). Com a boca diziam a Deus: “Nós te
conhecemos” (Os 8,2), mas a desintegração de sua vida mostrava que eles
rejeitavam o conhecimento (Os 4,6).
Um novo horizonte se abre Gomer e Oséias. O conhecimento de
Deus, fruto do aprofundamento do amor humano no amor de Deus, ajudou-os a
encontrar saídas para refazer a solidariedade rompida entre as famílias e
reconstruir a sociedade de maneira nova, diferente da maneira desastrosa da
monarquia que vinha desintegrando o povo. “Nesse dia, - oráculo de Javé - eu
responderei ao céu e o céu responderá à terra, a terra responderá ao trigo, ao
vinho e ao azeite, e eles responderão a Jezrael. Eu a semearei na terra, terei
compaixão da Não-Compadecida e direi ao Não-Meu-Povo: Você é meu povo! E ele
responderá: Meu Deus!” (Os 2,23-24).
No momento em que ficou claro para eles o que Deus queria,
nasceu neles a coragem para denunciar o sistema e convocar o povo a mudar de
vida e de pensamento. O povo deve
esforçar-se para conhecer a Javé, então Ele virá tão certo como
a luz da aurora (Os 6,3). É hora de voltar para Javé (Os 10,12). Não deve ter sido fácil, pois a
denúncia ia contra os interesses da monarquia. Oséias e Gomer são perseguidos
(Os 9,8), mas a força que lhes vem da nova experiência de Deus é maior que a
ameaça que vem de fora.
3. Jó: porta-voz das aspirações da juventude;
3.1. O contexto do chamado
Século V antes de Cristo. Naquele tempo, o ensino oficial
dizia e repetia: “Sofrimento e pobreza são castigo de Deus. Riqueza e
bem-estar, sinais de recompensa divina!” Esta
era a imagem da justiça divina que era colocada na cabeça das pessoas, desde
pequeno. Esta falsa maneira de
representar o relacionamento entre Deus e o ser humano beneficiava os ricos e
dava aos pobres e sofredores um complexo de culpa e de inferioridade. Era esta a imagem de Deus que Jó tinha
na cabeça, mas não no coração! No coração ele tinha a intuição de que Deus não
age assim.
3.1.1 Um teatro
O livro de Jó é uma espécie de teatro, no qual se verbaliza
a tensão que, naquela época, estava nascendo entre o ensino oficial da elite e
a incipiente consciência rebelde dos sofredores. A sala está cheia de gente. O
pano ainda está fechado. Um narrador entra e coloca o público a par do assunto
que vai ser debatido no teatro. Ele diz: “Era uma vez, lá longe na terra de
Hus, um homem chamado Jó...”(Jó 1,1). Ele conta que Jó era justo e correto, mas
por uma intriga de Satan (promotor de acusação) Deus permitiu que Jó caísse na
miséria e tivesse todos os sofrimentos possíveis e imagináveis (cf Jó 1,1 a 2,10). Três amigos, Elifaz de Tema,
Baldad de Suás e Sofar de Naamat, ouvem falar da desgraça de Jó e vêm para
consolá-lo. Chegando perto e vendo aquele sofrimento todo, perdem a fala e
ficam em silêncio, sete dias e sete noites (Jó 2,11-13). A esta altura, o
narrador sai, o pano abre e lá no palco está Jó, estão os três amigos Elifaz,
Baldad e Sofar, mais um jovem, chamado Eliu (Jó 32,1.6). Todos em silêncio,
tanto no palco como na sala! É o silêncio de quem não sabe explicar o
sofrimento dos pobres inocentes. É o silêncio da expectativa diante do assunto
do sofrimento do inocente que vai ser debatido no teatro. O silêncio perdura
até hoje, pois ninguém sabe explicar tanto sofrimento dos inocentes pelo mundo
inteiro!
Jó, os três amigos e o jovem vão debater o porquê de tanto
sofrimento no mundo. O público já sabe que, no caso de Jó, a causa não é o
pecado. Os que estão no palco ainda não sabem, mas vão tentar descobri-lo.
Assim, o público tem em mãos um critério para verificar exatidão das respostas
que vão ser dadas no teatro.
Quem rompe o silêncio é Jó. Um grito horrível: “Maldito o
dia em que eu nasci!” (Jó 3,1-3) O povo na sala deve ter levado um susto e, ao
mesmo tempo, deve ter sentido um grande alívio. Jó verbaliza o que os
sofredores já estavam sentindo, mas ainda não tiveram a coragem de expressar.
3.1.2 O debate
Começa o debate com seus altos e baixos. Jó representa a
geração nova, cuja consciência estava começando a se rebelar. Os três amigos
representam a visão tradicional, que eles defendem com unhas e dentes. Vão se
alternando as intervenções e as réplicas. Dentro
de Jó existe um conflito entre a cabeça e o coração, entre a tradição e a
consciência. A cabeça de Jó,
formada pelo catecismo oficial, dizia: “Você sofre e é pobre, porque cometeu
pecado! Deus está te castigando!” Mas o coração lhe dizia: “Deus é injusto
comigo, pois não pequei!”. A consciência,
mandava rebelar-se contra as injustiças que se cometiam em nome desta falsa
imagem de Deus. A cabeça, a tradição, mandavam ficar calado e obedecer, ficar
bem quieto e não se rebelar, pois seria desobediência a Deus. O mesmo conflito
agitava as pessoas na sala que assistiam ao teatro. Agita a todos nós, até hoje!
Jó não concorda com a imagem de Deus que a tradição
comunicava ao povo. Em vez de libertar as pessoas, esta imagem contribuía para
manter a situação de opressão em que o povo se encontrava. Ela fazia com que os
pobres ficassem com o sentimento de que Deus já não ouvia o seu clamor e de que
tinham sido excluídos da sua presença amiga (Jó 24,12). E este é o pior roubo
que se pode fazer! Além de roubar deles os bens, roubavam também a presença
amiga de Deus! Os pobres ficavam sem nada, sem ninguém neste mundo! (Jó 24,1-12)
No debate, Jó é fiel ao coração e não à cabeça! É fiel à
sua vocação! Ele segue a consciência e não a falsa tradição! Acusa e critica os três amigos, que
identificam a presença de Deus com o nível econômico das pessoas: “Vocês são
capazes de sortear um órfão e vender seu próprio amigo!” (Jó 7,27). Mas nem
tudo que Jó diz está certo, pois ele não consegue ver claro. No desespero as
pessoas, às vezes, dizem coisas disparates. Desejam até a morte. Veja, por
exemplo, o texto de Jó 3,3-26. Leia devagar e pense no sofrimento que está por
de trás destas palavras. Você se reconhece neste Jó? Ele existe hoje? Onde e
como?
Os três amigos defendem a imagem da justiça de Deus que a
Tradição ensinava desde séculos. E a defendem contra os gritos desesperados de
Jó. Defendem uma imagem de Deus que eles mesmos receberam dos antepassados:
Deus, sendo justo, castiga o mal e recompensa o bem. Por isso, nem tudo que os
amigos dizem está errado. Tem muita coisa bonita nas palavras deles, mas nem
toda roupa bonita na vitrina da loja serve para o tamanho do meu corpo. Palavra
bonita não serve como curativo para ferida aberta. Os três amigos falam bonito
a partir da teoria que eles têm na cabeça. Eles não escutam o que Jó tem a
dizer. Será que estes amigos ainda existem? Como se manifestam? Às vezes, parece
que Jó e os três amigos existem também dentro da gente. O debate do livro de Jó
se faz na sociedade, na comunidade e até dentro da gente!
3.2. A resposta
de Jó à vocação que lhe vinha dos fatos
Ao longo do debate com os três amigos, Jó descobre que o
problema de fundo não são os três amigos. Estes são meros charlatães,
“manipuladores de mentiras” (Jó 13,4). Eles querem “defender a Deus usando
mentiras e injustiças” (Jó 13,7). O problema de fundo é a imagem de Deus que a
tradição comunica ao povo. Jó quer saber se esta imagem é verdadeira, ou falsa.
Se é mesmo o rosto de Deus, ou se é apenas uma máscara que os ricos e os
doutores colocaram no rosto de Deus para poder manipular a religião em seu
próprio proveito. Jó quer encontrar-se com Deus para saber por experiência
direta como Ele é. Quer saber se Deus é conforme aquilo que a “cabeça” e a
“tradição” ensinam, ou se é conforme o que o “coração” e a “consciência” sentem
e adivinham. Jó quer “discutir com o próprio Deus” (Jó 13,3). Quer que um
tribunal de justiça decida entre ele e Deus para saber se ele é ou não é
culpado como os três amigos andam dizendo (Jó 23,1-9; 13,13-24). Jó tem
muita coragem!
Jó arrisca tudo (Jó 13,14) e vai gritar que é justo e
inocente (Jó 6,29). Esta atitude não é orgulho nem falta de humildade. Mas é o
sentimento de um homem sincero que quer denunciar a falsidade e a mentira do
sistema que usa Deus e a religião para manter uma situação de injustiça.
Depois da longa discussão com os três amigos, entra em cena
um jovem, chamado Eliu (Jó 32,1-2). Ele assistiu ao debate e diz que os três
amigos não foram capazes de refutar os argumentos de Jó (Jó 32,12). Sendo
jovem, deixou os anciãos falar (Jó 32,7-9). Agora, ele vai refutar a Jó, mas a
sua longa e monótona argumentação (Jó 33,1
a 37,24) repete os mesmos
argumentos dos velhos. Apesar de jovem, ele é mais conservador que os três
velhos. É pena! Hoje, às vezes, a gente encontra jovens assim. É pena!
Desesperadamente, Jó refuta os argumentos dos amigos, um
depois do outro. Mas não basta refutar os argumentos, não basta rasgar a
fotografia antiga que já não presta nem corresponde à realidade. É preciso
tirar uma nova fotografia para poder orientar o povo. E para tirar uma nova
fotografia, é necessário ter a presença da pessoa. Pouco a pouco, ao longo do
penoso debate, uma nova imagem de Deus vai chegando mais perto, anunciando a
sua presença amiga na vida de Jó. Através dos nove discursos com seus altos e
baixos, a gente percebe que Jó progride na descoberta.
O que o ajudou foi a reflexão sobre a Sabedoria Divina que se manifesta na natureza e na vida
(Jó 28,1-28; 38,1 até 41,26). Refletindo sobre os grandes mistérios da vida e
da natureza, Jó experimenta Deus de perto e descobre que Deus é maior do que a
doutrina dos três amigos, maior que o falso deus dos ricos, maior também que as
idéias do próprio Jó a respeito de Deus. Existe algo de trágico em toda esta
discussão de Jó com os três amigos. É a vocação que lhe vem do “coração” e da
“consciência” que o empurram a rebelar-se e a gritar. Mas é a “cabeça” e a
“tradição” que lhe inspiram as palavras. Ele não tem outras. Por isso, ele
grita contra Deus o tempo todo. Na realidade, se ele grita contra Deus, não é
contra o Deus que sobe de dentro do seu coração, mas é contra o Deus que os
três amigos defendem. Jó briga é com esta falsa imagem de Deus e é isto que ele
expressa no fim do debate. A
frase final é a chave de ouro que explica tudo. Jó se dirige a Deus e diz: “Eu te conhecia só de ouvir
falar de Ti, mas agora meus olhas te viram. Por isso me retrato e me
arrependo sobre pó e cinza” (Jó
42,4-6).
Jó teve uma nova experiência de Deus e descobriu que a sua
rebelião e luta não eram contra Deus, mas sim contra aquela imagem de Deus que
falsificava a consciência das pessoas, destruía a convivência e estava atrapalhando a ele em tudo (Jó
10,1-7; 16,7-14). Jó renasceu! Ao descobrir que o verdadeiro Deus não
era nada daquilo que os amigos ensinavam, Jó cai em si e diz: “Por isso eu me retrato e me
arrependo, sobre pó e cinza” (Jó
42,6).
Neste momento, o pano fecha, o teatro termina e entra
novamente o narrador para dar, em nome de Deus, a sentença final. Ele diz a
Elifaz: "Estou irritado
contra você e seus dois companheiros, porque vocês não falaram corretamente de
mim como falou o meu servo Jó” (Jó
42,7). Esta sentença final traz uma surpresa trágica e esperançosa: os três
amigos que defenderam a Deus o tempo todo, falaram mal de Deus; Jó que atacou a
Deus o tempo todo, falou bem de Deus! Assim, nem sempre os que se apresentam
como defensores da verdadeira doutrina falam corretamente do Deus verdadeiro.
Nem sempre os que são desaprovados por criticarem a maneira tradicional de
apresentar a imagem de Deus e de Jesus, são desaprovados por Deus.
No fim, o livro de Jó deixa uma pergunta em todos nós: “O
que será que Jó descobriu a respeito de Deus? Qual foi a nova experiência?” O
texto não responde, mas sugere: “Se você quiser saber o que Jó descobriu,
percorra o mesmo caminho que ele percorreu!” Esta é a maneira típica dos sábios
de orientar as pessoas no discernimento da sua vocação. Não fazem saber, mas
fazem descobrir. Não dão tudo trocado em miúdo, mas apontam um caminho. Qual a imagem de Deus que a igreja
comunicou ao povo ao longo dos séculos e que agora está sendo questionada pelo
Jó de hoje?
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Perguntas para ajudar na reflexão e na assimilação do assunto:
1. O que mais chamou sua atenção na vocação dos jovens Oséias e Gomer? Por que?
2. Conhece algum casal profético hoje? Onde e como?
3. O que mais chamou a sua atenção na atitude de Jó? Por que?
4. Jó existe hoje? Aonde e como? Dentro de você existe um Jó?
Perguntas para ajudar na reflexão e na assimilação do assunto:
1. O que mais chamou sua atenção na vocação dos jovens Oséias e Gomer? Por que?
2. Conhece algum casal profético hoje? Onde e como?
3. O que mais chamou a sua atenção na atitude de Jó? Por que?
4. Jó existe hoje? Aonde e como? Dentro de você existe um Jó?
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