Histórico

A Paróquia Santo André, foi desmembrada da Paróquia Nossa Senhora Imaculada Conceição, fundada em 20 de junho de 1971, tem como padroeiro o Apóstolo André, santo que a Igreja celebra sua memória no dia 30 de novembro, data de seu martírio. No dia 30 de novembro de 2014, Dom Redovino Rizzardo elevou à qualidade de paróquia, nomeando o primeiro pároco, o Padre Otair Nicoletti. A equipe de Coordenação do Conselho Comunitário de Pastoral - CCP está formada pelas seguintes pessoas: Coordenação: Laudelino Vieira, Paulo Crippa; Assuntos Econômicos: José Zanetti, Valter Claudino; Secretaria: Marcus Henrique e Naiara Andrade.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

JUVENTUDE: VOCAÇÃO E COMPROMISSO À LUZ DA PALAVRA DE DEUS (IV)



IV
JUVENTUDE E VOCAÇÃO

1. Oséias e Gomer: dois jovens descobrem e assumem sua vocação
1. O contexto do chamado
Século VIII antes de Cristo, Reino de Judá. Naquele tempo, os reis se apresentavam como filhos de Deus, intermediários entre Deus e o povo. Para o povo poder estar bem com Deus devia estar bem com o rei. Os reis exibiam luxo e riqueza como sinal do poder e da grandeza do seu deus (1Rs 5,1-3.6; 9,26-28; 10,1-29). Para obter e manter essa grandeza e poder, eles precisavam de muitos escravos e de muito dinheiro (cf. 1 Sm 8,10-18). E é aqui que entra a manipulação da religião da fertilidade, cuja divindade principal era Baal, nome que significava patrão, dono.
Na opinião do povo, Baal manifestava o seu poder de fertilidade na produção dos alimentos e na reprodução da vida. Era Baal, assim eles pensavam, que fertilizava a terra por meio das chuvas e em nome de Baal se promovia o culto da prostituição sagrada nos pequenos santuários dos “lugares altos”. Era lá que o povo buscava uma intimidade maior com o deus da fertilidade através do contato com prostitutas e prostitutos sagrados. Esta prática religiosa era muito divulgada na Palestina. Existia muito antes da chegada dos israelitas. As ofertas e donativos do povo ao deus Baal eram para o rei. Os filhos e filhas que assim nasciam das prostitutas sagradas aumentavam o número de escravos e escravas do rei. Esta religião infiltrou-se na vivência diária do povo de Deus, foi assumida pelos reis de Israel e acabou sendo norma comum para todos
Neste contexto, viviam os jovens Oséias e sua namorada Gomer. Como todo mundo, os dois cresceram dentro daquele sistema enganador da monarquia de Israel. Foram educados para ver na pessoa do rei o filho preferido de Deus, porta-voz da vontade divina. Como a maioria das moças da época, Gomer, chegando à idade de casar, foi levada para os “lugares altos” da prostituição sagrada, onde foi prostituída, para que gerasse filhos e filhas para o rei. Tornou-se mãe solteira (cf Os 1,2). Em troca recebia comida e roupa para sustentar a família. Da mesma maneira, como a maioria dos rapazes, Oséias freqüentava os “lugares altos”. Chegando à idade de casar, procurou uma moça que pudesse ser sua esposa, e a encontrou entre as moças prostituídas.
Foi nesta situação ambígua que os dois se conheceram, se gostaram, casaram e começaram a conviver como marido e mulher. Ao mesmo tempo, Gomer continuava prestando o seu serviço no “lugar alto” da prostituição sagrada, e Oséias continuava freqüentando o culto de fertilidade. Gomer não era uma prostituta nem uma mulher adúltera ou infiel no sentido que nós damos hoje a estas palavras. Ela era, isto sim, uma moça prostituída, uma das muitas vítimas daquele sistema opressor dos reis que pervertia o sentido da vida, do casamento, da família e da religião.
Esta era a prática comum, aceita por todos como sendo o caminho normal, pois não havia outro jeito nem outro horizonte. Era como a situação de muitas moças de hoje que vivem na prostituição. Elas o fazem não porque gostam ou querem, mas por ser este o único meio que lhes sobrou para ajudar em casa e não morrer de fome. Tanto ontem como hoje, cria-se todo um jeito de pensar e de viver que impede as pessoas de tomarem consciência crítica, e elas acabam achando normal aquilo que, na realidade, é anormal, contrário à vida.
Esta situação geral em que se encontrava o povo já vinha de longe e parecia sem saída (Os 5,4). Mas com Oséias e Gomer aconteceu algo novo que mudou o rumo da história e fez nascer uma nova esperança. Foi a experiência do amor sincero entre os dois que os ajudou a perceber a contradição a que eram obrigados a submeter-se.

2. A lenta e progressiva descoberta da vocação
O drama do casal
Era em nome de Deus que a sociedade os obrigava a praticar a prostituição. Mas, aos poucos, os dois foram se dando conta de que, para eles, já não era possível combinar o serviço ao rei com este amor sincero que os unia e que lhes parecia igualmente um grande dom de Deus. De fato, o amor verdadeiro não consegue conviver com falsidade, mesmo quando esta é manipulada e apresentada como expressão da vontade de Deus. Pois como saber se o filho que nasce era deles mesmos, fruto do seu amor, ou de algum outro visitante do “lugar alto” a quem Gomer devia entregar-se em nome da sua obediência ao Rei e da sua dependência do sistema. Esta era a contradição que os amargurava.
O casal vive este drama. Por ora, os dois não vêem saída, nem vêem claras as coisas. A cabeça, instruída pelo catecismo do rei, dizia uma coisa; o coração, desejoso de viver o amor, dizia outra.  Muitos outros casais devem ter experimentado a mesma contradição, sem verem uma saída concreta. Sentiam-se ameaçados no mais profundo da sua vida. Viviam um drama que ameaçava na raiz, tanto o amor que os unia entre si, como o amor que tinham a Deus e ao povo. Como dirá mais tarde o livro de Oséias, tudo parecia contaminado por um “espírito de prostituição” (Os 4,12; 5,4).
Os dois descobrem a mão de Deus no amor que os une
Na mesma medida em que a vivência do amor fazia crescer neles a consciência crítica frente ao sistema do rei e frente à prática da prostituição sagrada, nesta mesma medida Gomer e Oséias foram descobrindo que este amor era uma expressão da presença bondosa e providente de Javé em suas vidas. Refletindo sobre o amor que os unia, os dois descobriram: “Era Javé que nos chamava para o casamento!” Ou como diz o livro de Oseias: “Javé me disse: vai e toma para ti uma mulher da prostituição e filhos da prostituição!” (Os 1,2).
Os dois começam a desconfiar do sistema da religião oficial. O que Deus pedia não eram esses sacrifícios e donativos que se ofereciam nos “lugares altos”, mas sim o amor e o respeito às pessoas: “Quero amor e não sacrifícios; conhecimento de Deus mais do que holocaustos” (Os 6,6). Assim começa a nascer lentamente a vocação, sem muita clareza, no meio das contradições da vida. Mas até chegar a total clareza da vocação, muita água teve que passar baixo da ponte. A vocação profética nasce devagar.
O amor os leva a desconfiar do sistema machista da religião de Baal
Cada vez que Gomer voltava do “lugar alto”, trazendo pão, água, roupa e comida para sustentar a família, e que se encontrava com Oséias, os dois devem ter-se olhado e devem ter sentido que, por mais que o rei dissesse que isto era a expressão da vontade de Deus, eles sentiam que Deus não podia estar de acordo com essa prática. A monarquia apresentava Deus como um Baal, como um patrão, igual ao rei, que se impunha ao povo como dono e proprietário das pessoas, dominando as consciências. Em muitas famílias, o próprio marido começava a comportar-se como um baal, como um patrão, dono e proprietário da mulher. Mandava nela e a mandava ir ao “lugar alto” buscar as coisas para viver e sobreviver com os filhos.
Gomer olhando para Oséias e experimentando o seu amor, se dava conta de que ele não era um baal, um patrão, mas sim um marido, um companheiro. Sentia e experimentava o seu amor e, por isso mesmo, sentia-se valorizada e não dominada nem condenada. Oséias olhando para Gomer e convivendo com ela no dia-a-dia da vida, sentia e experimentava que ela não era nem nunca poderia ser sua propriedade, mas era, isto sim, a sua esposa amada, companheira amiga, igual a ele. Sentia que, mesmo tendo que ir ao “lugar alto”, Gomer não era uma prostituta. Por isso, ele não podia nem queria abandoná-la, mas continuava a amá-la, pois só mesmo o amor seria capaz de devolver a ela e a ele mesmo a consciência da sua dignidade como gente e como filho e filha de Deus.
A experiência da força do amor humano leva à descoberta do amor de Deus
A experiência do amor levou os dois a descobrir não só os enganos da propaganda da monarquia, mas também algo muito simples e, ao mesmo tempo, muito profundo dentro de si mesmos, a saber, a força do amor! O amor os fez renascer. Promovia neles a consciência de gente e de filho e filha de Deus. Em vez de abandonados e prostituídos, sentem-se amados e promovidos. Descobrem que a força do amor pode regenerar uma pessoa a ponto de ela sentir-se como que renascida, apagando nela por completo a consciência anterior de gente dominada, manipulada e prostituída.
E aí nasceu o clarão maior: assim como o amor os ajudava a aceitar-se mutuamente e a renovar o casamento de uma maneira nova, diferente do sistema dos reis, assim era o amor de Deus para como seu povo (Os 3,1). Javé não é um baal, um patrão que oprime e escraviza. Ele ama o seu povo com amor gratuito que ultrapassa tudo. Esta descoberta do amor de Deus é a raiz da vocação profética do casal, ou melhor, é a sua manifestação. A raiz foi a experiência humana do amor entre os dois que levou à descoberta do amor de Deus. O clarão maior do amor de Deus iluminou tudo e os ajudou a reler a história da sua própria vida e da vida do povo. As palavras tão bonitas com que Gomer e Oséias renovaram o seu casamento, são as mesmas que Deus dirige ao seu povo:
 “Agora, sou eu que vou seduzi-la, vou levá-la ao deserto e conquistar seu coração. Eu me casarei com você para sempre, me casarei com você na justiça e no direito, no amor e na ternura. Eu me casarei com você na fidelidade e você conhecerá Javé” (Os 2,16.21-22)
Nasce a vocação profética: com Deus na contramão
Oséias e Gomer criam coragem e rompem com o sistema dos reis. De comum acordo, decidem não freqüentar mais o “lugar alto” de prostituição: ”Por um bom tempo você ficará em sua casa para mim, sem se prostituir, sem relação com homem nenhum, e eu farei a mesma coisa por você” (Os 3,3). Eles tomam distância do sistema dos reis para poder refazer a Casa. Mudam o regime familiar para não se prostituir. Pois a Casa, a família, é mais importante que o templo e o “lugar alto”. Começam a viver na contramão da sociedade. Iniciam a ação profética de denúncia contra o sistema enganador dos reis e contra o “espírito de prostituição” que pervertia o sentido da vida do povo.
O povo tinha se afastado de Deus (Os 1,2; 4,12) e o “espírito de prostituição” impedia-o de conhecer a Javé (Os 5,4). O vinho e o licor lhe tiravam a razão (Os 4,11) e ele já não percebia que Javé o dirigia nos caminhos tortuosos da sua vida (Os 2,10; 11,3). Com a boca diziam a Deus: “Nós te conhecemos” (Os 8,2), mas a desintegração de sua vida mostrava que eles rejeitavam o conhecimento (Os 4,6).
Um novo horizonte se abre Gomer e Oséias. O conhecimento de Deus, fruto do aprofundamento do amor humano no amor de Deus, ajudou-os a encontrar saídas para refazer a solidariedade rompida entre as famílias e reconstruir a sociedade de maneira nova, diferente da maneira desastrosa da monarquia que vinha desintegrando o povo. “Nesse dia, - oráculo de Javé - eu responderei ao céu e o céu responderá à terra, a terra responderá ao trigo, ao vinho e ao azeite, e eles responderão a Jezrael. Eu a semearei na terra, terei compaixão da Não-Compadecida e direi ao Não-Meu-Povo: Você é meu povo! E ele responderá: Meu Deus!” (Os 2,23-24).
No momento em que ficou claro para eles o que Deus queria, nasceu neles a coragem para denunciar o sistema e convocar o povo a mudar de vida e de pensamento. O povo deve esforçar-se para conhecer a Javé, então Ele virá tão certo como a luz da aurora (Os 6,3). É hora de voltar para Javé (Os 10,12). Não deve ter sido fácil, pois a denúncia ia contra os interesses da monarquia. Oséias e Gomer são perseguidos (Os 9,8), mas a força que lhes vem da nova experiência de Deus é maior que a ameaça que vem de fora.
  
3. Jó: porta-voz das aspirações da juventude;
3.1. O contexto do chamado
Século V antes de Cristo. Naquele tempo, o ensino oficial dizia e repetia: “Sofrimento e pobreza são castigo de Deus. Riqueza e bem-estar, sinais de recompensa divina!” Esta era a imagem da justiça divina que era colocada na cabeça das pessoas, desde pequeno. Esta falsa maneira de representar o relacionamento entre Deus e o ser humano beneficiava os ricos e dava aos pobres e sofredores um complexo de culpa e de inferioridade. Era esta a imagem de Deus que Jó tinha na cabeça, mas não no coração! No coração ele tinha a intuição de que Deus não age assim.
              3.1.1 Um teatro
O livro de Jó é uma espécie de teatro, no qual se verbaliza a tensão que, naquela época, estava nascendo entre o ensino oficial da elite e a incipiente consciência rebelde dos sofredores. A sala está cheia de gente. O pano ainda está fechado. Um narrador entra e coloca o público a par do assunto que vai ser debatido no teatro. Ele diz: “Era uma vez, lá longe na terra de Hus, um homem chamado Jó...”(Jó 1,1). Ele conta que Jó era justo e correto, mas por uma intriga de Satan (promotor de acusação) Deus permitiu que Jó caísse na miséria e tivesse todos os sofrimentos possíveis e imagináveis (cf Jó 1,1 a 2,10). Três amigos, Elifaz de Tema, Baldad de Suás e Sofar de Naamat, ouvem falar da desgraça de Jó e vêm para consolá-lo. Chegando perto e vendo aquele sofrimento todo, perdem a fala e ficam em silêncio, sete dias e sete noites (Jó 2,11-13). A esta altura, o narrador sai, o pano abre e lá no palco está Jó, estão os três amigos Elifaz, Baldad e Sofar, mais um jovem, chamado Eliu (Jó 32,1.6). Todos em silêncio, tanto no palco como na sala! É o silêncio de quem não sabe explicar o sofrimento dos pobres inocentes. É o silêncio da expectativa diante do assunto do sofrimento do inocente que vai ser debatido no teatro. O silêncio perdura até hoje, pois ninguém sabe explicar tanto sofrimento dos inocentes pelo mundo inteiro!
Jó, os três amigos e o jovem vão debater o porquê de tanto sofrimento no mundo. O público já sabe que, no caso de Jó, a causa não é o pecado. Os que estão no palco ainda não sabem, mas vão tentar descobri-lo. Assim, o público tem em mãos um critério para verificar exatidão das respostas que vão ser dadas no teatro.
Quem rompe o silêncio é Jó. Um grito horrível: “Maldito o dia em que eu nasci!” (Jó 3,1-3) O povo na sala deve ter levado um susto e, ao mesmo tempo, deve ter sentido um grande alívio. Jó verbaliza o que os sofredores já estavam sentindo, mas ainda não tiveram a coragem de expressar.
               3.1.2 O debate
Começa o debate com seus altos e baixos. Jó representa a geração nova, cuja consciência estava começando a se rebelar. Os três amigos representam a visão tradicional, que eles defendem com unhas e dentes. Vão se alternando as intervenções e as réplicas. Dentro de Jó existe um conflito entre a cabeça e o coração, entre a tradição e a consciência. A cabeça de Jó, formada pelo catecismo oficial, dizia: “Você sofre e é pobre, porque cometeu pecado! Deus está te castigando!” Mas o coração lhe dizia: “Deus é injusto comigo, pois não pequei!”. A consciência, mandava rebelar-se contra as injustiças que se cometiam em nome desta falsa imagem de Deus. A cabeça, a tradição, mandavam ficar calado e obedecer, ficar bem quieto e não se rebelar, pois seria desobediência a Deus. O mesmo conflito agitava as pessoas na sala que assistiam ao teatro. Agita a todos nós, até hoje!
Jó não concorda com a imagem de Deus que a tradição comunicava ao povo. Em vez de libertar as pessoas, esta imagem contribuía para manter a situação de opressão em que o povo se encontrava. Ela fazia com que os pobres ficassem com o sentimento de que Deus já não ouvia o seu clamor e de que tinham sido excluídos da sua presença amiga (Jó 24,12). E este é o pior roubo que se pode fazer! Além de roubar deles os bens, roubavam também a presença amiga de Deus! Os pobres ficavam sem nada, sem ninguém neste mundo! (Jó 24,1-12)
No debate, Jó é fiel ao coração e não à cabeça! É fiel à sua vocação! Ele segue a consciência e não a falsa tradição! Acusa e critica os três amigos, que identificam a presença de Deus com o nível econômico das pessoas: “Vocês são capazes de sortear um órfão e vender seu próprio amigo!” (Jó 7,27). Mas nem tudo que Jó diz está certo, pois ele não consegue ver claro. No desespero as pessoas, às vezes, dizem coisas disparates. Desejam até a morte. Veja, por exemplo, o texto de Jó 3,3-26. Leia devagar e pense no sofrimento que está por de trás destas palavras. Você se reconhece neste Jó? Ele existe hoje? Onde e como?
Os três amigos defendem a imagem da justiça de Deus que a Tradição ensinava desde séculos. E a defendem contra os gritos desesperados de Jó. Defendem uma imagem de Deus que eles mesmos receberam dos antepassados: Deus, sendo justo, castiga o mal e recompensa o bem. Por isso, nem tudo que os amigos dizem está errado. Tem muita coisa bonita nas palavras deles, mas nem toda roupa bonita na vitrina da loja serve para o tamanho do meu corpo. Palavra bonita não serve como curativo para ferida aberta. Os três amigos falam bonito a partir da teoria que eles têm na cabeça. Eles não escutam o que Jó tem a dizer. Será que estes amigos ainda existem? Como se manifestam? Às vezes, parece que Jó e os três amigos existem também dentro da gente. O debate do livro de Jó se faz na sociedade, na comunidade e até dentro da gente!
3.2. A resposta de Jó à vocação que lhe vinha dos fatos
Ao longo do debate com os três amigos, Jó descobre que o problema de fundo não são os três amigos. Estes são meros charlatães, “manipuladores de mentiras” (Jó 13,4). Eles querem “defender a Deus usando mentiras e injustiças” (Jó 13,7). O problema de fundo é a imagem de Deus que a tradição comunica ao povo. Jó quer saber se esta imagem é verdadeira, ou falsa. Se é mesmo o rosto de Deus, ou se é apenas uma máscara que os ricos e os doutores colocaram no rosto de Deus para poder manipular a religião em seu próprio proveito. Jó quer encontrar-se com Deus para saber por experiência direta como Ele é. Quer saber se Deus é conforme aquilo que a “cabeça” e a “tradição” ensinam, ou se é conforme o que o “coração” e a “consciência” sentem e adivinham. Jó quer “discutir com o próprio Deus” (Jó 13,3). Quer que um tribunal de justiça decida entre ele e Deus para saber se ele é ou não é culpado como os três amigos andam dizendo (Jó 23,1-9; 13,13-24). Jó tem muita coragem!
Jó arrisca tudo (Jó 13,14) e vai gritar que é justo e inocente (Jó 6,29). Esta atitude não é orgulho nem falta de humildade. Mas é o sentimento de um homem sincero que quer denunciar a falsidade e a mentira do sistema que usa Deus e a religião para manter uma situação de injustiça.
Depois da longa discussão com os três amigos, entra em cena um jovem, chamado Eliu (Jó 32,1-2). Ele assistiu ao debate e diz que os três amigos não foram capazes de refutar os argumentos de Jó (Jó 32,12). Sendo jovem, deixou os anciãos falar (Jó 32,7-9). Agora, ele vai refutar a Jó, mas a sua longa e monótona argumentação (Jó 33,1 a 37,24) repete os mesmos argumentos dos velhos. Apesar de jovem, ele é mais conservador que os três velhos. É pena! Hoje, às vezes, a gente encontra jovens assim. É pena!
Desesperadamente, Jó refuta os argumentos dos amigos, um depois do outro. Mas não basta refutar os argumentos, não basta rasgar a fotografia antiga que já não presta nem corresponde à realidade. É preciso tirar uma nova fotografia para poder orientar o povo. E para tirar uma nova fotografia, é necessário ter a presença da pessoa. Pouco a pouco, ao longo do penoso debate, uma nova imagem de Deus vai chegando mais perto, anunciando a sua presença amiga na vida de Jó. Através dos nove discursos com seus altos e baixos, a gente percebe que Jó progride na descoberta.
O que o ajudou foi a reflexão sobre a Sabedoria Divina que se manifesta na natureza e na vida (Jó 28,1-28; 38,1 até 41,26). Refletindo sobre os grandes mistérios da vida e da natureza, Jó experimenta Deus de perto e descobre que Deus é maior do que a doutrina dos três amigos, maior que o falso deus dos ricos, maior também que as idéias do próprio Jó a respeito de Deus. Existe algo de trágico em toda esta discussão de Jó com os três amigos. É a vocação que lhe vem do “coração” e da “consciência” que o empurram a rebelar-se e a gritar. Mas é a “cabeça” e a “tradição” que lhe inspiram as palavras. Ele não tem outras. Por isso, ele grita contra Deus o tempo todo. Na realidade, se ele grita contra Deus, não é contra o Deus que sobe de dentro do seu coração, mas é contra o Deus que os três amigos defendem. Jó briga é com esta falsa imagem de Deus e é isto que ele expressa no fim do debate. A frase final é a chave de ouro que explica tudo. Jó se dirige a Deus e diz: “Eu te conhecia só de ouvir falar de Ti, mas agora meus olhas te viram. Por isso me retrato e me arrependo sobre pó e cinza” (Jó 42,4-6).
Jó teve uma nova experiência de Deus e descobriu que a sua rebelião e luta não eram contra Deus, mas sim contra aquela imagem de Deus que falsificava a consciência das pessoas, destruía a convivência e estava atrapalhando a ele em tudo (Jó 10,1-7; 16,7-14). Jó renasceu! Ao descobrir que o verdadeiro Deus não era nada daquilo que os amigos ensinavam, Jó cai em si e diz: “Por isso eu me retrato e me arrependo, sobre pó e cinza” (Jó 42,6).
Neste momento, o pano fecha, o teatro termina e entra novamente o narrador para dar, em nome de Deus, a sentença final. Ele diz a Elifaz: "Estou irritado contra você e seus dois companheiros, porque vocês não falaram corretamente de mim como falou o meu servo Jó” (Jó 42,7). Esta sentença final traz uma surpresa trágica e esperançosa: os três amigos que defenderam a Deus o tempo todo, falaram mal de Deus; Jó que atacou a Deus o tempo todo, falou bem de Deus! Assim, nem sempre os que se apresentam como defensores da verdadeira doutrina falam corretamente do Deus verdadeiro. Nem sempre os que são desaprovados por criticarem a maneira tradicional de apresentar a imagem de Deus e de Jesus, são desaprovados por Deus.
No fim, o livro de Jó deixa uma pergunta em todos nós: “O que será que Jó descobriu a respeito de Deus? Qual foi a nova experiência?” O texto não responde, mas sugere: “Se você quiser saber o que Jó descobriu, percorra o mesmo caminho que ele percorreu!” Esta é a maneira típica dos sábios de orientar as pessoas no discernimento da sua vocação. Não fazem saber, mas fazem descobrir. Não dão tudo trocado em miúdo, mas apontam um caminho. Qual a imagem de Deus que a igreja comunicou ao povo ao longo dos séculos e que agora está sendo questionada pelo Jó de hoje?
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Perguntas para ajudar na reflexão e na assimilação do assunto: 
1. O que mais chamou sua atenção na vocação dos jovens Oséias e Gomer? Por que?
2. Conhece algum casal profético hoje? Onde e como?
3. O que mais chamou a sua atenção na atitude de Jó? Por que?
4. Jó existe hoje? Aonde e como? Dentro de você existe um Jó?

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